Entrevista com Gustavo Machado: Formação social brasileira, teoria do valor e atualidade do marxismo
- Murphy Stay
- 20 de mai.
- 61 min de leitura
Apresentação
Rodrigo Vieira Ferreira (Revista Barravento)
É com enorme satisfação que a Revista Barravento publica agora em formato de texto a transcrição da entrevista recentemente realizada com Gustavo Machado, coordenador do Instituto Latino-Americano de Estudos Econômicos (Ilaese) e responsável pela condução do canal Orientação Marxista. A entrevista em tela, já disponível no canal do YouTube da Revista Barravento, teve como tema “Formação social brasileira, teoria do valor e atualidade do marxismo”.
Antes de partirmos para a leitura, alguns breves apontamentos acerca dos procedimentos metodológicos tomados para a consecução do texto. Em primeiro lugar, a transcrição da fala do entrevistado e dos entrevistadores foi realizada com uso de software próprio para essa tarefa e, uma vez feita, foi revisada visando aferir quaisquer eventuais equívocos de compreensão por parte do software utilizado.
Além do mais, a revisão teve como intuito tornar a leitura do texto o mais inteligível e fluida quanto possível. Por conta do material original se tratar de uma entrevista em áudio de uma hora e quarenta e dois minutos, naturalmente haveria de ocorrer erros gramaticais e digressões durante a fala dos participantes. No que diz respeito aos eventuais erros gramaticais cometidos, a revisão realizada corrigiu-os de acordo com as normas da língua portuguesa, não mantendo, portanto, os erros de concordância que invariavelmente ocorrem na linguagem falada. Já no que diz respeito às digressões, também conhecidas como os “parênteses” feitos no meio de uma fala, a revisão fez uso da vírgula inglesa ( - ) para indicar as pausas e as mudanças de tema feitas pelo entrevistado em meio a suas linhas de raciocínio. Destacamos ainda que, visando manter a inteligibilidade e a fluidez da leitura do texto, em algumas passagens foram inseridos ainda apontamentos, pronomes e até mesmo frases inteiras por parte do revisor, as quais foram explicitamente indicadas entre colchetes ( [ ] ).
Em suma, o texto que se segue é uma transcrição fiel do conteúdo das falas dos entrevistadores e do entrevistado de tal forma que a revisão feita buscou tão somente lapidar suas falas a fim de torná-las o mais compreensível possível e, por conseguinte, aptas a serem publicadas em formato de texto. Assim sendo, nenhuma elaboração apresentada durante a entrevista foi suprimida e/ou essencialmente alterada.
Em adição, destacamos que a publicação dessa entrevista também no formato de texto teve objetivo duplo. Em primeiro lugar, potencializar a divulgação da entrevista e principalmente do conteúdo trabalhado, e, em segundo lugar, construir um material passível de ser citado em eventuais elaborações escritas, sejam elas de caráter acadêmico, como livros e artigos ou de caráter político, voltadas ao debate e à agitação, como publicações em blogs e posts nas redes sociais.
Por fim, a equipe editorial da Revista Barravento agradece uma vez mais ao Gustavo por ter aceitado essa proposta e solicita aos leitores que, se possível, se inscrevam no canal do YouTube da Revista Barravento e sigam a página oficial da Barravento no Instagram, onde serão publicados, em breve, cortes desta mesma entrevista a fim de ampliar a divulgação deste material e fomentar o debate nas redes. Agradecemos o apoio e desejamos uma boa leitura a todos!
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Entrevista com Gustavo Machado: Formação social brasileira, teoria do valor e atualidade do marxismo
Transcrição e revisão do texto: Rodrigo Vieira
Entrevistadores: Rodrigo Vieira e Marcos Castilho
Suporte técnico: Rafael Jácome
Divulgação: Igor Dias
Roteiro: Equipe editorial
Introdução - Marcos/Revista Barravento: Bom dia, boa tarde, boa noite para todo mundo presente, para todo mundo que vai assistir esse vídeo. Nós somos da Revista Barravento, uma revista dedicada à divulgação do marxismo. Estamos aqui eu, Marcos, o Rodrigo e o Jácome, como integrantes e editores da Revista, para entrevistar o Gustavo Machado, quem comanda o canal Orientação Marxista. Nossa entrevista terá como foco “a formação social brasileira, teoria do valor e a atualidade do marxismo”. E também essa entrevista, posteriormente, vai ser divulgada na Revista por meio de texto e ficará disponibilizado no link na descrição.
1° pergunta - Rodrigo/Revista Barravento: Gustavo, para a gente começar essa conversa, do começo, a gente queria retomar algumas questões com você daquilo que vem sendo tratado muitas vezes nos vídeos do canal e também nos debates recentes que você participou, que é a questão da gênese do capitalismo e a sua generalização. Dando destaque, por exemplo, para a situação da Índia e da China que você comentou em debates recentes, a gente viu então que o capitalismo nesses países se desenvolveu a partir da truculência, inclusive de empresas privadas e das principais potências da época, naquele momento. Então isso chama atenção para nós para uma questão que é bastante clara: que esses processos, por exemplo, na Índia e na China, se deram de forma diferente daquilo que Marx e Engels chamaram dos países de “via clássica”, como é o caso da Inglaterra, para citar um exemplo. Então, isso deixa claro que o capitalismo, para se desenvolver, não tem uma “receita de bolo”, uma “cartilha” a ser seguida. Então, nesse sentido, a gente gostaria de começar perguntando para você como você caracterizaria as particularidades desse “caminho” brasileiro de objetivação do capitalismo e os seus reflexos sobre as relações sociais e políticas aqui no Brasil. E também gostaríamos de saber se teria havido, portanto, uma “expropriação originária” em solo brasileiro, que colocasse em desenvolvimento o capitalismo no nosso país.
Resposta - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Obrigado, Rodrigo. Primeiro, queria agradecer o convite. Marcos, Rodrigo, o pessoal da Revista Barravento, para mim é um prazer enorme, estou inteiramente à disposição e fico muito feliz com o tema também, que está ligado ao desenvolvimento, à formação social brasileira, às suas especificidades. O marxismo se esbarra nesses dois problemas. Primeiro, a gente tem que entender rigorosamente o funcionamento do capital, a sua origem, suas características, mas a gente ainda fica no nível muito grande de abstração se a gente não ver como isso vai se materializar nas realidades específicas, as características particulares do seu desenvolvimento, os desafios que colocam e por aí vai. Então, fico bastante feliz com o tema.
A questão me parece muito importante: “como se dá esse processo de expropriação que funda o capitalismo no Brasil?”. Eu sempre acentuo o seguinte: o que tem em comum em todos os países capitalistas desse ponto de vista é, de uma forma ou de outra, um processo de expropriação tem que ter acontecido para o capitalismo se desenvolver, ele tem que acontecer de alguma forma porque o capitalismo necessita, para se desenvolver, que a grande massa da população perca os seus vínculos diretos, seja com a terra, seja com os instrumentos de trabalho, seja com instituições que garantam a sua sobrevivência.
Então, a liberdade abstrata do capitalismo está sentada nesse traço, na verdade, que a liberdade aí é: “você não tem nada de garantido, você está livre, leve e solto, solto no mundo, e não vai ter nenhuma outra chance para sobreviver que não seja vender sua força de trabalho”. Como que uma situação como essa se estabeleceu? Essa questão irremediavelmente se coloca. E em países onde esse processo de apropriação não foi desenvolvido, o capitalismo enfrenta barreiras gigantescas para se desenvolver.
Você mencionou os debates e vídeos que eu produzo, materiais também que escrevo, trato um pouco disso no meu livro - Antes de entrar no Brasil, acho que um fato, um caso muito ilustrativo é a China, por exemplo, porque diferente da Índia, onde a Inglaterra colonizou por meio de uma empresa privada, na China, ela [Inglaterra] só ganhou uma guerra, as Guerras do Ópio - foram duas grandes guerras, na verdade - e forjou um tratado de livre comércio. E a China, na época, já era o país com maior população do mundo, por várias razões que não vem ao caso. Eles [Inglaterra] falaram: “poxa, aqui nós estamos feitos”. Você imagina: uma população dez vezes maior que a da Inglaterra, nós [Inglaterra] vamos escoar, aumentar a nossa produção de maneira colossal [voltada] à população chinesa. E foi um fracasso tremendo porque a população chinesa não tinha por que comprar, por exemplo, os produtos da indústria tecelã inglesa, porque ela [população chinesa] produzia, regra geral, as suas vestes no interior da própria propriedade camponesa, à qual a enorme maioria da população chinesa estava ligada. Então, aquela veste para ela não custava nada em termos de valor no sentido capitalista. Custava esforço, trabalho, uma divisão ali no interior da família, mas normalmente as sociedades eram de uma forma mais familiar na China, elas tinham teares, elas produziam isso tudo lá dentro. Então, se você não destrói isso, você não consegue criar um mercado interno. Por um lado, você não tem força de trabalho para ser empregada de forma capitalista, e por outro, você não tem um mercado interno para comprar as mercadorias capitalistas. Então, os ingleses vendiam ali só para a margem mesmo, uma franja do setor chinês.
O Brasil é um caso bastante específico porque aqui no Brasil, diferente de outros países da América Latina, houve - entre aspas - um “extermínio” da população que existia aqui no território brasileiro pela colonização portuguesa já nos seus primórdios. Para o “extermínio”, não quero dizer que não sobrou ninguém, não é exatamente isso, mas, por exemplo, diferente do que se deu na colonização espanhola, onde civilizações seculares, até milenares - como a dos Incas, ou mesmo no México, Astecas, vestígios da sociedade Maia - continuaram existindo. Os espanhóis simplesmente se apropriaram delas, assumiram o controle e colocaram uma forma de trabalho compulsório como dominante. Mas então elas se desenvolvem a partir de uma estrutura de sociedade pré-existente à colonização inglesa e que foi adaptada aos interesses da colonização espanhola. No Brasil, esse problema não houve. A população originária daqui foi exterminada, foi afastada mesmo pros grotões, onde a colonização não tinha chegado, e teve uma colonização que se impôs por força externa por meio dos portugueses.
A dizimação que esse processo produz é um debate historiográfico longínquo, porque depende de estimativas muito amplas, mas mesmo as mais pessimistas são dezenas de milhões de mortos. Um processo de colonização e o Brasil é um dos seus epicentros. Agora, diferente dos Estados Unidos, o Brasil foi colonizado por Portugal, que teve processos muito específicos dentro dessa colonização. Portugal é um país pioneiro no desenvolvimento capitalista, de um ponto de vista comercial, de um ponto de vista mercadológico e tudo mais, mas ele não revoluciona a sua produção internamente, como acontece na Inglaterra para produzir mercadorias em larga escala. Então, a Inglaterra, já tempos depois da colonização, logo tornou-se o epicentro, acabou subordinando Portugal no interior desse processo. Isso cria uma contradição de que o Brasil já surge dentro desse processo capitalista em desenvolvimento, mas ele surge completamente atrelado a esse mercado internacional que se desenvolvia a partir da Europa. Então, é impossível compreender o Brasil nesse período sem ser um braço da Europa em desenvolvimento. Isso não é nenhum eurocentrismo, foi assim que foi, foi assim que aconteceu, não estou elogiando esse processo. O mercado interno brasileiro, por séculos, era significativo de um ponto de vista puramente material, mas ele não se dá sobre formas tipicamente capitalistas, ou seja, no sentido de uma produção em massa por empresas capitalistas que produzem mercadoria para atender esse mercado interno. Por exemplo, a indústria inglesa, desde a abertura dos portos, [desde] as invasões napoleônicas, estabeleceu um vínculo muito forte entre a produção industrial inglesa e Portugal, mas essa produção industrial era para um grupo muito restrito da população, não era para atender o mercado interno brasileiro no seu conjunto.
Então, isso vai gerar uma série de características que é importante a gente ter em vista, que é o desenvolvimento capitalista do Brasil intensivo, no sentido de alterar as suas relações internas e submeter todas elas à produção de mercadorias, valorização do capital. [No Brasil] esse não é um processo do século XVI e do século XVII, é muito mais um processo do século XX já propriamente dito. Inicia no século XIX com a independência, mas vai se estender mesmo no século XX e é um processo de expropriação que se reproduz dentro dele.
Então, eu só vou dar alguns exemplos aqui para vocês: quando começam a vir as primeiras indústrias para o Brasil, [na] primeira metade do século XX, meados do século XX, você tem uma expropriação massiva da população do campo, [que] agora já é uma população de origem europeia, [ainda que] aqui também com indígenas, mas para a construção, por exemplo, de grandes plantações voltadas à exportação já adequada ao processo do século XX, produção de eucalipto para atender a siderurgia que estava surgindo. O Norte de Minas, por exemplo, hoje é todo [voltado a] produção de eucalipto. Essas terras eram terras que os moradores não tinham a propriedade legal, eles são expulsos dessas terras e [a produção de eucalipto] se torna aí de uma quantidade absurda, mais de um estado de plantação de eucalipto para produzir carvão para a siderurgia que se deu ali no Vale do Aço, só para pegar um exemplo. Então, esse é um processo que se reproduziu no Brasil com muita força e que vai fazer, no século XX, com que o Brasil, que era um país predominantemente rural, até a primeira metade do século, se torne um país propriamente urbano por distintas formas de expropriação dessa população rural.
Então, é um processo que se desenvolve no século XX e que tem muito a ver com o Brasil mais moderno, [com] essa gênese mais moderna do Brasil. Então, eu destacaria, assim, grosso modo, esses dois pontos - tem vários que poderiam ser destacados. O primeiro deles é esse: o Brasil já começa desenvolvendo o capitalismo a partir do extermínio da população local, do afastamento e extermínio da população local. Isso coloca diferenças brutais do Brasil com relação a vários lugares da América Latina, cujas estruturas sociais [não foram tão fortemente alteradas]. Vou dar um exemplo aqui para vocês. Se você for, por exemplo, na Bolívia - o Peru menos, porque o grau de deterioração lá é muito grande -, os vínculos comunais, de solidariedade, os vínculos pessoais no interior da Bolívia são muito maiores [que os] do Brasil, porque ainda descendem organicamente de uma comunidade que não foi dissolvida lá no interior.
No Brasil, não. Você já conseguiu criar essa ideia do indivíduo mais abstrato, do indivíduo mais solto, com vínculo indireto com a sociedade, desde o começo, ao destruir as sociedades que estavam aqui constituídas e instalar um processo de colonização que estava orientado para exportação em grandes propriedades, mas com uma parte gigante da população que se apossou de pequenas propriedades em várias regiões do país, populações que estavam à margem desse centro ligado ao mercado europeu de colonização do país. Esse setor vai ser fortemente expropriado ao longo do século XX, expulso do campo, gerando aí a população urbana, assalariada, que vai conformar o mercado interno e o desenvolvimento industrial com as características específicas do Brasil ao longo do século XX.
Eu acho que essas são as duas principais características, mas é óbvio que, veja, essa história não foi escrita. Infelizmente, os historiadores marxistas se centraram mais ao longo do século XX em coisas como “etapas [do] desenvolvimento do Brasil”, “Brasil feudal”, baseado num esquema mecânico de transição. E, por exemplo, uma história de fôlego que analisasse com vasta documentação, nas distintas localidades, esse processo de apropriação ao longo de séculos de existência brasileira, não conheço nenhuma obra com essa abordagem, ainda que as obras existentes possam mencionar aspectos relativos a um momento, relativos a um local. Então, isso está longe de ser um tema que se esgotou, pelo contrário, ele mal se abriu. O que eu menciono aqui são só os aspectos mais óbvios. Mas isso abre campo, sem dúvida, para todo um campo de pesquisa, da historiografia, que seria extremamente importante para a gente entender esse processo brasileiro, que tem uma outra peculiaridade, que é a sua violência extrema.
O processo de apropriação é sempre violento. O Brasil com quase quatro séculos de escravidão, [é] marcado por uma divisão, por um preconceito, por uma opressão de caráter ético, racial muito forte, um processo de urbanização completamente caótico e que sempre foi extremamente centralizador a partir da colônia. Então, foi um processo bastante violento, arbitrário e que certamente essa história, com essa abordagem, com esse enfoque, ainda está por ser escrita.
2° pergunta - Marcos/Revista Barravento: Ok, Gustavo. Você falando, me surge uma questão. Como você falou, não dá para pensar o Brasil, pelo menos o surgimento da nação Brasil, sem pensar na intervenção dos países europeus, em especial Portugal. Mas eu gostaria de ressaltar uma questão específica, que é a respeito, por exemplo, da abolição da escravidão. Tem-se como condição da generalização do capitalismo o sujeito livre e igual, ao menos do ponto de vista formal, jurídico formal. E como é que se deu [esse processo no Brasil], qual foi a influência das potências internacionais para que houvesse essa generalização aqui no Brasil, e como que isso, de alguma forma ou não, constituiu o Estado brasileiro enquanto tal. E como que isso se diferencia, por exemplo, da “via clássica”, do Estado nos países ditos desenvolvidos, europeus.
Resposta - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Certo. Eu penso, Marcos, que esse é um processo cheio de peculiaridades e que explicações unilaterais tendem talvez até a esclarecer algum aspecto, mas a fracassar no seu conjunto. Eu não vejo o processo de abolição do trabalho escravo no Brasil como se fosse assim - isso aparece em algumas abordagens intituladas de marxismo - “os capitalistas viram que eles precisavam de mão de obra livre para poder empregar trabalhador salariado e por isso a escravidão saiu para criar o trabalho livre”. Mas os capitalistas viram quais capitalistas? Onde? Em que lugar? Onde é que está a ata da “Reunião Nacional dos Capitalistas Brasileiros”, onde eles falaram assim: “precisamos acabar com a escravidão para poder desenvolver o trabalho livre, para que surja o mercado interno”?
Desconheço essa documentação e tudo mais. Então, eu acho que é um conjunto de aspectos que se confluem. Primeiro, já no final do XVIII e já em pleno século XIX, o Brasil, que teve um período forte do ciclo da cana, um período forte do ouro, exigia grandes contingentes de trabalhadores no mesmo local. Não é só pelo fato de se atender ao mercado externo, mas dependia de contingentes gigantescos. Quando o Brasil começa a entrar no ciclo do café, o café depende de solos específicos, região de São Paulo, Minas Gerais, etc. É uma produção que é muito menos extensiva, você não consegue fazer milhares e milhares de hectares contíguos, hábitos a plantação de café, então são propriedades menores. Para propriedades não tão grandes, o custo da escravidão é alto, porque a gente não pode esquecer que a escravidão você compra o escravo, tem um mercado de compra e venda dos escravos. Então, por um lado, o tipo de atividade agroexportadora, a mudança [para a hegemonia da produção cafeeira] se tornava menos propícia à escravidão.
Você teve também processos de rebelião de escravos muito significativos no Brasil durante esse período. Os processos revolucionários no Brasil, via de regra, foram todos derrotados, mas eles foram muito expressivos e numerosos, ao contrário da nossa história oficial - a gente tende a valorizar a história só a partir de quem venceu, mas esquecem da quantidade de processos que existiram, como a Revolução Pernambucana, lá em 1817, Confederação do Equador, vários movimentos separatistas, Cabanagem, Revolução Praieira, Balaiada, Sabinada, Revolução Farroupilha, e por aí vai.
Também, já havia um processo, tanto com um fluxo grande de ideias liberais que atingiam alguns setores médios aqui no Brasil, que não eram setores dominantes, mas que atingiam esses setores. Existiam rebeliões organizadas, os quilombos de escravos muito significativos e, ao mesmo tempo, também uma inadequação cada vez maior daquele tipo de trabalho escravo para as mudanças que se tinham no capitalismo agroexportador, já independente de Portugal, que se desenvolveu no Brasil ao longo do século XIX. Então, esse é um aspecto que eu ressaltaria a respeito dessa questão da mudança do trabalho escravo.
E, óbvio, que numa situação dessas especificidades do Brasil, o capitalismo brasileiro só se desenvolveu e pôde se desenvolver com o papel gigantesco do Estado. Porque até a sua independência, você não tinha propriamente uma burguesia brasileira. Você tinha intermediários, mas ligados como intermediários da metrópole, como intermediários da coroa. Então, toda a atividade econômica do Brasil, e eu sei que tem um debate historiográfico a respeito disso aí, a questão não é tanto [sobre o fato de] que a maior parte do que era produzido no Brasil era para exportação. Não é esse cálculo quantitativo que importa. O que importa é que toda a estrutura social do Brasil, as funções, a distribuição, a hierarquia social, estava orientada para a exportação. Naquilo que Caio Prado chamava do “sentido da colonização” e tudo mais. Então, até a independência, você não tem nem sequer uma burguesia brasileira arcaica. A burguesia brasileira estava lá na Europa. A burguesia brasileira estava em Portugal. E aqui você tinha intermediários. Evidentemente, você tinha setores burgueses dentro do país, setores capitalistas dentro do país, mas que não se constituíam enquanto uma burguesia nacional. Essa que é a questão. Com interesses próprios, com interesses independentes. Isso coloca uma diferença novamente brutal entre o Brasil e a América Latina, por exemplo. O processo de independência da América Latina - e a colonização espanhola - realmente fomentou uma autonomia local muito maior. Eu chamo a atenção aqui que nas colônias espanholas você teve a fundação de centros autônomos, de universidades, muito cedo. Na colonização brasileira, quem queria ter uma formação superior, ia para Coimbra, em Portugal, e muito tardiamente se começou as primeiras faculdades [no Brasil] de direito, de engenharia, daquelas coisas que eram mais básicas e imediatas.
A colonização espanhola fomentou a criação de uma elite local, de uma classe dominante local, que era chamada de elite crioula, e que entrou em contradição com a metrópole. Então, a independência na América Latina se dá por uma via revolucionária, por uma via onde essas elites locais conseguem trazer atrás de si a massa de produtores, sujeitos a trabalho compulsório, escravo, camponês, que mobiliza o país de maneira significativa, cria uma identidade nacional muito menos abstrata e difusa do que o que a gente tem aqui no Brasil, enquanto no Brasil foi desde o início um processo de conciliação a tal ponto de que o primeiro imperador do Brasil - os primeiros [imperadores] do Brasil Império - é simplesmente um herdeiro da coroa de Portugal, que assume as rédeas e o comando interno do Brasil ao longo de quase um século.
Depois, o processo da Primeira República Brasileira é um processo onde até hoje nós temos a família real, [a qual] é bancada pelo governo brasileiro, algo que permanece até os dias de hoje. Então, se deu por uma via da conciliação muito forte. Então, o Brasil não desenvolveu uma classe dominante com o mínimo de independência que fosse, que em algum momento da história tivesse que partir para a ofensiva e trazer o resto da nação atrás de si. Tanto que as figuras históricas brasileiras [não evocam apoio popular]. Hoje com a ultradireita, é até engraçado, eles tentam reativar vários nomes, mas é extremamente artificial, porque ninguém sente emoção em torno daquelas figuras, elas não te remetem a capítulos da história, onde você pode, por que não, ter certo orgulho de certas ações que a classe dominante do seu país teve ao longo da história.
Várias classes dominantes de vários países ao longo da história têm capítulos da sua história que são motivo de orgulho, sem dúvida. No Brasil, isso é bastante mais raro. Quando tem, se restringe a medidas administrativas que podem ser mais ou menos assertivas. Isso tem um impacto tão grande, já próximo da nossa história, que eu costumo sempre chamar a atenção para as diferenças do peronismo na Argentina, agora em profunda crise - mas não é esse o caso [que estamos discutindo] - e do varguismo no Brasil. O peronismo deixou raízes na história da Argentina, tanto que até hoje você tem grandes correntes políticas do país consideradas peronistas. O varguismo não deixou nenhuma marca na história do Brasil, virou meramente um referencial. Vargas tinha um comportamento em relação à população muito mais paternalista, muito mais passivo, enquanto o Peron não, ele convocava inclusive os setores industriais, trabalhadores assalariados, para a ofensiva contra outros setores aristocráticos argentinos, contra quem ele combatia. E não sem razão deixou formas organizativas, deixou uma vinculação muito mais orgânica, muito mais sólida e muito mais duradoura do ponto de vista histórico.
Então, esse é um traço, sem dúvida, congênito do Brasil, que não é comum a todos os países periféricos. Ele tem o seu desenvolvimento muito centrado no Estado, uma quase completa [ausência] de autonomia da sua classe dominante ao longo de toda a sua história, ainda que tenha tido inflexões. Se a gente pegar [de] 1930, depois com a tentativa da Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo, até a ditadura militar, você tinha um conflito maior entre uma burguesia mais moderna que se desenvolvia no Brasil e outra agroexportadora. Então, teve conflitos, mas que termina na conciliação de ambos ali no início da ditadura militar, onde todos entram naquilo que o FHC chamou de “desenvolvimento capitalista associado”, ódio à globalização e tudo.
Esse desenvolvimento histórico deixa traços muito particulares e isso tem uma característica que está na burguesia brasileira até hoje, muito forte, que ela nunca conseguiu construir alternativas políticas minimamente consistentes ao longo dessa história. Tanto que as legendas políticas no Brasil são motivo de maior risada, de um modo geral, porque elas são meramente um aspecto formal ao qual as pessoas se vinculam nas [disputas] eleitorais, que, igual você troca de roupa, você troca de legenda. E não houve alternativas políticas organizadas da classe dominante brasileira, de modo que ela tem sempre que recorrer àquelas alternativas que são mais adequadas para o momento e abrem mão daquela que eles apoiavam até um ano atrás, seis meses atrás.
É assim, por exemplo, que no início dos anos [19]90 eles jogaram todas as suas fichas em Ulisses Guimarães, que deu completamente errado. Depois eles vão abraçar Fernando Henrique Cardoso, que constituía uma espécie de esquerda intelectual acadêmica em ascensão ali naquele momento. Depois eles vão abraçar o PT já dentro de um processo de crise do governo de Fernando Henrique Cardoso no Brasil e assim sucessivamente. Não tem vínculo político-organizativo historicamente constituído, porque ela [burguesia nacional] nunca foi um agente ativo dos processos, ela sempre foi um agente associado, um agente subordinado a setores do capital internacional sem ter interesses independentes e sem ter projeto de país.
3° pergunta - Rodrigo/Revista Barravento: Beleza, Gustavo. Ainda mantendo então essa temática da particularidade brasileira, você até chegou a comentar na sua primeira fala sobre as teorizações sobre esse “caminho brasileiro”, essa questão de tratar mecanicamente o Brasil como um país feudal e tudo mais. Então, nessa direção, a gente gostaria de saber de você a sua posição com relação a dois movimentos teóricos em especial, que se deram principalmente na segunda década do século passado. A primeira delas é o uso da noção de “via prussiana” por vários autores marxistas, a “via prussiana” elaborada por Lênin, como uma chave de compreensão desse “caminho brasileiro” de objetivação do capitalismo. E outra teorização que é a do filósofo brasileiro José Chasin, que elaborou a teoria da “via colonial”, como, mais uma vez, essa chave de compreensão da realidade brasileira. Então, a gente queria saber se você tem algum acordo total ou parcial com essas duas elaborações. Se sim ou não, por quê?
Resposta - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Então, vamos lá. Por partes. “Via prussiana” foi muito utilizada aqui no Brasil por causa do Nelson Coutinho, por exemplo, e outros autores, que é de fato algo que o Lênin cunha a partir das análises que Marx faz nos anos [18]40 do processo de desenvolvimento capitalista na Alemanha. Um capitalismo que entrou de maneira retardatária dentro desse processo de divisão internacional do trabalho, sem ter feito, à época, uma revolução tipicamente burguesa e trazendo várias especificidades. Esse processo de desenvolvimento do capitalismo, eu acho que sempre há paralelos possíveis com outros locais, mas, ao mesmo tempo, são processos fortemente particulares.
Eu acho que esse é um ponto em que o Chasin acerta em mostrar que, certamente, essa analogia com a “via prussiana”, em vários aspectos, ela cabe no Brasil. Tem alguns textos do Marx que a gente lê da época, vou pegar aqui, por exemplo, a Introdução à Crítica à Filosofia do Direito de Hegel. A Introdução, publicada ali nos anais franco-alemães de [18]44, é um texto onde [em] um dos momentos em que ele aborda esse tema, é impossível não ver certos paralelos, vários paralelos com o Brasil. Então, para dar um exemplo, quando o Carlos Nelson Coutinho pega esse aspecto, acentua esse aspecto para o desenvolvimento brasileiro, não é uma coisa sem pé nem cabeça, longe disso. Agora, evidentemente que o Brasil vai ter traços do seu desenvolvimento também, que, em hipótese alguma, podem ser analogados com a Alemanha.
Basta a gente ver o que aconteceu com a Alemanha e pensar se esse processo teria sido tão fácil no Brasil, que depois com o bismarquismo vai conseguir fazer um processo de modernização da Alemanha, desenvolvimento industrial. No caso alemão, o desenvolvimento retardatário foi até mais importante, porque ela [Alemanha], ao entrar depois nessa disputa, conseguiu industrializar o país com uma indústria muito mais moderna, com uma infraestrutura muito mais moderna, e já aparecer no pré-Primeira Guerra Mundial como um país que era, de um ponto de vista técnico, mais desenvolvido que a Inglaterra. Com outras variáveis que não vêm ao caso, acontece uma coisa muito parecida com a China ao longo das últimas duas, três décadas. Ainda que certamente a história do Brasil não teria que ser exatamente o que foi, a gente poderia ter seguido outros percursos, mas eu não vejo o Brasil como tendo no século XX as possibilidades que a Alemanha teve lá na segunda metade do XIX, tão pouco as que a China teve nos últimos 40, 50 anos.
Então, quando o Chasin cunha o termo “via colonial” e ressalta o que se diferencia da “via prussiana” clássica, eu tenho acordo e acompanho quase que integralmente. Eu ressalto aqui, pelo que me lembre - eu li esse texto do Chasin, por exemplo, o escrito dele sobre o Plínio Salgado, já tem muito tempo, eu não vou me recordar aqui dos detalhes - mas eu me lembro dele tratar não só da ausência de uma revolução tipicamente burguesa no Brasil, que é consensual, mas da completa impossibilidade de que ela venha a existir. De uma completa impossibilidade, porque a conformação específica da classe dominante, da burguesia brasileira, nunca colocou [essa possibilidade], ela nasce de maneira associada desde o começo. A associação de forma subordinada é a razão de ser - entre aspas - do seu “sucesso”, desde o começo.
Ela nunca é colocada em uma situação de entrar em conflito com outros setores, sejam internos, sejam setores burgueses internos, para procurar algum tipo de independência, seja no revolucionamento das relações sociais internas, seja de uma mudança do Brasil na divisão internacional do trabalho lá fora. Então, isso é um traço que me parece que está absolutamente válido.
Ele [José Chasin] também trabalha muito aquela ideia de que o “novo” no Brasil se desenvolve associado ao velho. Há uma associação entre o que é atrasado e o que é - entre aspas - “avançado”, do ponto de vista técnico. Não é uma oposição de um em relação ao outro. Uma ideia que foi muito tratada pelo Chico de Oliveira também [em] um escrito clássico dele no final dos anos [19]50 [em] que ele usa a figura do ornitorrinco para dizer que no Brasil atrás do desenvolvimento, aquela agricultura obsoleta, voltada para exportação, com monocultura, com um desenvolvimento técnico precário, mesmo em relação ao que existia na Europa na época, ela [agricultura] não foi uma oposição ao desenvolvimento industrial brasileiro, mas ela está na base da especificidade do desenvolvimento industrial brasileiro, inclusive da conformação do que vai ser uma nova burguesia brasileira que vai se desenvolver no século XX. A burguesia atual brasileira não é do século XIX, tem algumas raízes ali, mas que vai se desenvolver principalmente em São Paulo. Florestan vai tratar muito disso. Então é algo que o Chasin trata, que eu também acompanho bastante.
O que eu me diferencio um pouco dos desenvolvimentos que ele [Chasin] faz nessa abordagem dele: em primeiro lugar, eu sei que ele cunha a expressão “hipertardio” em referência a Mandel, que escreveu o livro do “capitalismo tardio”, que pelo menos nesse aspecto ele acompanhava, mas eu realmente não acho - e até remeto ao exemplo da Alemanha e da China que eu dei recentemente - que entrar depois na divisão internacional do trabalho significa necessariamente que você vai ter um desenvolvimento periférico e dominado. E muitos autores dos anos [19]50, [19]60, se unilateralizam muito nessa questão agroexportadora do Brasil, o Brasil como um país agroexportador e que, portanto, jamais desenvolveria o mercado interno de forma significativa.
Eu vejo alguns aspectos disso no Chasin, pelo que eu me lembro também, mas eu posso estar sendo injusto, porque tem muito tempo que eu li. Mas autores sérios acentuaram muito isso. Por exemplo, o Mauro Marini que foi muito esquecido aqui no Brasil também. Não tanto a questão agroexportadora, mas ele focava muito no aspecto fundamentalmente exportador do Brasil. Eu acho que [Marini] subestimou um pouco o que é a característica do imperialismo dos nossos dias, onde a tecnologia, o avanço, é exportada pelos outros países para dentro do seu, fazendo com que a gente tenha aqui, pelo menos em muitos setores, patamares de produtividade muito próximos aos que você tem no capitalismo lá fora, [fazendo com que] você consiga ter um barateamento dos bens de consumo num patamar muito próximo do que você tem lá fora, e você consiga conformar o mercado interno. É fato que o Brasil construiu um mercado interno intensivo, significativo, que não se restringe a um setor médio da sociedade, a partir dos anos [19]60 dentro dessa visão de “capitalismo associado”. Claro que um mercado interno em que a propriedade do capital não é brasileira, onde os excedentes migram para fora do Brasil, onde os trabalhos de mais elevada qualificação, que estão ligados ao desenvolvimento científico, são feitos lá fora porque aqui a gente só tem matrizes que replicam isso.
Então, eu não acho que o Brasil dos anos [19]60 para cá, e mesmo hoje, pode em sentido algum ser chamado de um país agroexportador. Hoje, a exportação de commodities no Brasil cumpre um papel de máxima importância dentro da divisão internacional do trabalho, mas um papel específico. Está ligado ao fato de que é através do setor agroexportador que o Brasil consegue dólares para poder tapar o déficit da indústria, da balança comercial porque [para a] indústria a gente importa máquinas e equipamentos. Os capitais são exportados, a gente depende de comprar lá de fora, em dólar, o tempo inteiro, a alta tecnologia que nós usamos. A gente usa a alta tecnologia comprada lá de fora. Nós [a] consumimos, inclusive, dentro das unidades produtivas [brasileiras].
O setor de máquinas e equipamentos no Brasil, ele existe mais ou menos para o agronegócio, depois [para outros setores] ele é completamente inexistente. É o maior déficit na balança comercial brasileira. Então, como é que você vai comprar tecnologia que não é sua sem ter um excedente em termos de moeda internacional em algum setor? Aí você precisa dos setores chamados commodities, setor mineração, petróleo, agricultura, etc. Mas hoje, o grosso da economia brasileira, onde a maior parte do valor é produzido no Brasil, onde a maior parte dos trabalhadores estão empregados, inclusive aqueles com maior remuneração, não é em setores exportadores, é em setores que atendem o mercado interno. E dos anos [19]60 em diante, o Brasil conformou - dessa forma atrófica, limitada e tudo, mas conformou - o mercado externo [na verdade Gustavo se referia aqui a conformação do mercado interno e não externo].
Os produtos duráveis hoje, por exemplo, estão na cesta de consumo do grosso da população brasileira. Hoje, 99% da população do Brasil, mesmo que só com dados no celular, tem acesso à internet. Você tem televisão na quase totalidade das residências e metade delas é LCD conectada à internet. Hoje você tem 38 milhões de brasileiros que têm carros, que se tornou um meio de locomoção básica em grande parte dos centros urbanos. E esses 38 milhões, se a gente pegar em termos de família, vai dar 40% da população do Brasil. Então, esse mercado interno foi conformado. E eu acho que o Brasil não é um país agroexportador, é um país que depende da exportação de commodities para poder equalizar a sua balança comercial e conseguir, inclusive, manter o seu mercado interno.
Essa conta fica cada vez mais difícil de fechar - [há] vários problemas crônicos aí -, mas é uma estruturação onde se tem aqui uma produtividade do trabalho, que às vezes é baixa em alguns pequenos setores da economia nacional, mas no geral ela segue a média do mercado internacional, porque são as empresas estrangeiras aqui instaladas que comandam. [Há] O subsequente barateamento dos produtos, aumento das necessidades e das capacidades, até das necessidades de consumo de uma massa da classe trabalhadora.
Mas o segundo ponto que o Chasin trata um pouco também, eu me lembro bem dele tratar desse ponto, que eu teria algumas diferenças é que - e aí eu acho que, [como] eu disse, essa questão da diferença do Brasil com a Prússia, eu concordo com ele, com a “via prussiana”, o caráter muito mais cronicamente retardatário do desenvolvimento do capitalismo brasileiro, da massa de contradições que existe, mas daí - ele faz um transpassamento disso para as formas organizativas do que ele vai chamar da esquerda brasileira ao longo do século XX até hoje.
E eu não creio que esse seja o principal fator. Basta dizer aqui que, na minha opinião, e eu acho que Chasin concordaria com isso, por alguns textos dele que eu já li, a esquerda mais fértil, por assim dizer, marxista, que teve no século XX, foi na Rússia, nas primeiras décadas, e a Rússia era um país que padecia de inúmeros atrasos. A classe trabalhadora russa era uma classe analfabeta, na sua maior parte, de baixíssima qualificação, na sua maior parte, e isso não impediu [sua radicalização]. Eu vejo que toda essa característica que é marcante da esquerda brasileira se deve muito mais por uma esquerda construída por influência externa, principalmente da União Soviética, onde o PC foi a organização hegemônica até os anos [19]60, onde toda a leitura do Brasil era enquadrada num esquema contra o qual o Chasin lutou a vida inteira, inclusive, um esquema mecânico dos modos de produção, onde o Brasil era considerado um “Brasil feudal”, que tinha que desenvolver uma burguesia brasileira, e era uma esquerda amplamente hegemônica. Ela [esquerda] realmente caiu na ditadura militar por várias razões. Nos anos [19]60, ela perdeu bastante a sua influência, mas as marcas ficaram. E são as marcas de uma esquerda que aposta num desenvolvimento nacional autônomo e que vê a possibilidade revolucionária no Brasil como algo que estaria colocado para uma outra época histórica e que não poderia ser forjada, construída de forma consciente, a partir das necessidades que estão dadas a partir de agora.
Eu concordo com as críticas que ele [Chasin] faz a essa esquerda dominante. Eu não me lembro agora as terminologias específicas que ele utilizava ao tratar desse tema, mas eu me lembro que ele fala algo de que seria a incompletude da burguesia brasileira [que] ia gerar uma incompletude também da classe trabalhadora, entende? Eu realmente não faria essa transposição. Inclusive, eu relembro aqui que o movimento dos anos [19]70, dos anos [19]80, [que] foi um dos movimentos de organização operária, organizada, partindo de organismos de base. É dos mais intensos e fortes que a gente teve no mundo dos anos [19]70 para cá. Eu acho que depois disso nós não tivemos igual, inclusive, no mundo. Aí tem a ver com outros fatores, fragmentação da classe, vários aspectos que se deram depois, mudanças do capitalismo a nível mundial. Eu acho que ele foi um movimento que, se existissem, organizações com uma elaboração teórica mais sólida, com a compreensão do Brasil vivo, sem a transposição de esquemas de fora, que conseguisse disputar e ganhar os trabalhadores em meio a esse processo, você poderia claramente ter aberto aí uma possibilidade revolucionária no Brasil das mais poderosas que a gente teria tido no mundo ao longo das últimas décadas.
Então, eu não faço essa associação [entre o atraso brasileiro e a formação de uma esquerda estéril] e eu vejo muito mais como sendo um subproduto do hegemonismo do PC, a força do PCB no Brasil até o final dos anos [19]60, e essas bases extremamente débeis com que essa, por assim dizer, “esquerda brasileira”, “esquerda marxista”, foi construída [do que] como sendo uma transposição do atraso do capitalismo brasileiro. Eu vou até mais longe. Eu vejo no mundo hoje, por exemplo - as coisas podem mudar, tá? Pode ser que daqui a 5, 10 anos eu já tenha outra opinião, porque as coisas hoje estão acontecendo muito rápido - eu não vejo uma possibilidade revolucionária imediata nos países que estão no topo do capitalismo hoje. Não vejo. Para mim, hoje é inconcebível imaginar uma revolução que comece com os Estados Unidos.
Não que a classe trabalhadora dos Estados Unidos não lute. Tem lutado, se organizado, mas a transferência de capital por meio dessa forma imperialista que o capitalismo atingiu do mundo inteiro para os Estados Unidos, faz com que circule tanta riqueza no país que a classe trabalhadora de lá tem algo a perder. Até onde ela está disposta a ir é menos do que em outros países. É claro que isso pode mudar e está mudando ao longo dos últimos anos, mas eu vejo a possibilidade revolucionária - dela começar - muito mais em países da periferia do capitalismo do que do topo do capitalismo nesse período histórico que a gente está vivendo.
4° pergunta - Marcos/Revista Barravento: Ok, Gustavo. Retornando um pouquinho, especialmente para a questão das commodities, a gente vê, nas últimas décadas - e isso você trata no seu canal, ao menos pincela isso em alguns momentos - que nas últimas décadas a gente passa por um processo de desindustrialização muito forte. Mas, diante desse cenário, a gente vê também respostas. Especialmente os setores da esquerda que são mais desenvolvimentistas, entendem que existiria uma solução para isso [desindustrialização] dentro do Estado. E eu queria saber de você justamente sobre a relação entre esse processo de desindustrialização e [o] Estado. Se você entende que existe alguma possibilidade, seja de barrar ou seja de retardar esse processo através do Estado, como alguns setores da esquerda defendem.
Resposta - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Certo. Essa é uma questão que é capciosa, porque eu também não quero recair aqui em nenhum lateralismo. Eu realmente não acho que o Brasil poderia ter sido, no século XX o que foi a Alemanha no XIX, como eu disse antes, e tampouco que o Brasil poderia, pela via do Estado, com a “política acertada”, sei lá, ter feito o que aconteceu com a China, dando um exemplo.
Vou pegar aqui o caso chinês. A China teve condições, porque houve um processo de desenvolvimento capitalista ali. Não necessariamente um processo de libertação da classe trabalhadora chinesa, em nenhum sentido, mas de desenvolvimento capitalista indiscutivelmente houve. Agora, isso partiu, em primeiro lugar, de um mercado consumidor gigantesco, potencialmente o maior do mundo. Eu digo “potencialmente” porque o mercado consumidor não depende só da população, depende dos recursos que essa população tem para comprar. E até hoje a China ainda não ultrapassou os Estados Unidos, mas ela pode ultrapassar e muito porque é um país de 1,4 bilhões de habitantes. É um país que, com a revolução abortada e a restauração do capitalismo que se deu na China em [19]78, você já tinha uma estrutura produtiva inteiramente concentrada nos braços do Estado, que pôde traçar uma proposta de desenvolvimento a partir daí.
E traçou uma proposta de desenvolvimento muito bem sucedida, diga-se de passagem, direcionando os créditos por meio da estrutura bancária, controlando os setores de insumos produtivos para prover insumos em larga escala e barato, tanto para a indústria de capital chinês quanto para a indústria de capital estrangeiro. E tem um elemento externo aí, que não está na conta de decisão política nenhuma do Estado chinês, que é o fato de que, por várias razões, o capital internacional migrou para dentro da China, enquanto fábrica, manufatura, centro de manufaturas do mundo, permitindo que uma fatia desse capital que tenha migrado, indiretamente tenha que parar no colo chinês, porque alimenta todo um setor da classe trabalhadora com salário, que paga imposto - vai ter formas diretas e indiretas de taxação do Estado.
Então, se migrou um núcleo volumoso do capital mundial para dentro da China. No Brasil, nenhuma dessas condições ocorreu, nem está em vias de ocorrer. Agora, posto isso, eu não vejo solução para o problema estrutural brasileiro à parte de um processo de revolução social profunda, que ataque diretamente as relações de propriedade brasileira, que possa, a partir daí, direcionar o Brasil para outro lugar. Isso não quer dizer que a coisa teria que ter sido mais ou menos como foi. Houve oportunidades para o Brasil ao longo da sua história. Então é importante que se admita isso: que a gente não seria uma potência capitalista imperialista dominante, mas pelo menos poderia ter uma posição melhor, inclusive com reflexos sociais e de outra natureza.
Então, eu ressalto aqui, por exemplo, que o Brasil, quando surgiu lá atrás a tecnologia - quando chegou aqui a tecnologia - de automóveis, o Brasil tinha um setor automobilístico, que foi marginalizado, foi entregue e [efetivou-se a] abertura completa ao setor automobilístico estrangeiro. Setor eletroeletrônico no Brasil: o Brasil tinha diversas marcas do setor eletroeletrônico. Eram cópias no início, mas produziam computadores quando começou a era da computação. Qual era o problema? Eram políticas de incentivo muito toscas, baseadas em subsídio, deixado na mão de um capital privado que ficou ali enquanto aquilo dava algum “lucrozinho” e migrou seu capital para outro lugar quando viu que não tinha condições de competir. Ou seja, poderia haver um projeto estruturado no Brasil que permitisse que o Brasil despontasse pelo menos em alguns ramos de produção específicos.
Eu vou dar exemplo aqui do que aconteceu na Coreia do Sul no setor eletroeletrônico e de semicondutores hoje. De Taiwan, que se desenvolve à parte da China desde [19]28 no setor de chips, semicondutores e microprocessadores. Então, não é verdade que algo dessa natureza não poderia, sob nenhuma hipótese, ter sido construído no Brasil no passado, na minha opinião.
Agora, é evidente que mesmo iniciativas como essa que podem vir a ocorrer agora e no futuro, elas se tornam cada vez mais limitadas, por várias razões. Primeiro: hoje a gente tem um Estado que está totalmente atrelado ao capital e que tem uma função básica hoje, que é fazer política monetária. E fazer política monetária porque os recursos estatais estão integralmente direcionados para isso, por meio do mecanismo da dívida, por meio do mecanismo de reservas internacionais para evitar desvalorização cambial.
O Estado hoje tem no Brasil e no mundo espaços de intervenção muito menores do que teve no passado. Até o Estado chinês eu chamo atenção para o seguinte: a China, no projeto de desenvolvimento dela, não se baseia em recursos estatais que são direcionados para área nenhuma, se baseia no controle direto de empresas que acumulam capital, mas são de propriedade estatal. Percebe? O capitalismo hoje, o capital privado, depende do Estado numa magnitude tão grande por meio do mecanismo da dívida, que absorve para o Estado o capital que o setor privado não consegue investir, por meio do mecanismo em que o Estado tem que comprar dólar para fazer reservas internacionais, para poder fazer política monetária, e por meio do corte sistemático dos serviços públicos, para que depois você consiga garantir e devolver esse capital lá na frente, porque se você não consegue devolver o capital lá na frente, você compromete a economia do país e o capital privado inteiro. O Estado hoje está colocado diante de limites infinitamente maiores do que o que existia nos anos [19]60 e nos anos [19]70.
Então, eu não quero ter uma visão aqui determinista. Poderia ter ocorrido um curso diferente no Brasil. Seria uma maravilha? Sem chance. Mas poderia ter sido melhor do que é agora? Eu acho que poderia ter sido melhor do que é agora. Houve oportunidades perdidas em vários momentos. Agora, essas oportunidades, elas ficam cada vez menores. O espaço existente para a intervenção estatal, que tem hoje as suas receitas atreladas, enraizadas com o capital privado em todas as vias imagináveis, [apresenta limites evidentes].
E veja, é uma dependência mútua. O capital privado precisa do Estado. Não é que o político do Estado quer ajudar o capital privado, pura e simplesmente. [O Estado] precisa absorver capital por meio do mecanismo da dívida, precisa para consumir. Hoje, os gastos dos municípios no Brasil, por exemplo, é 25%, 30%, 35%, 40% com o capital privado como consumo, consumo estatal. [Há também] políticas de renda básica. Estou longe de ser contra, tá? Só acho que não é solução para nada. Políticas de renda básica hoje, num país com um capitalismo atrófico, que gera um exército industrial de reserva tão grande, se torna para o capital algo absolutamente necessário para você não ter um caos social. No Brasil hoje nós temos 40 milhões de famílias que vivem dos auxílios, das assistências do governo, por exemplo.
Então, eu não vou dizer para você que não dá para fazer nada. Mas os espaços são cada vez menores. E eu não vejo qualquer mudança drástica do país que não seja pela via das mudanças das relações de propriedade, pela quebra das patentes, dos segredos comerciais, que pode possibilitar, aí sim, escolher vias estratégicas em que os recursos do país possam ser depositados, onde você possa distribuir o trabalho entre as pessoas que estão disponíveis para trabalhar, onde você possa investir em ciência e tecnologia e ter onde empregar essa ciência e tecnologia. Hoje, as universidades brasileiras têm um problema que ninguém fala, que é o fato de que boa parte das tecnologias que são pesquisadas na universidade, não são de fato usadas em lugar nenhum, porque o Brasil não é produtor de tecnologias, salvo algumas raras exceções. Porque os setores que produzem tecnologia estão lá fora, nós só consumimos.
Claro que vai ter uma coisinha ali, você tem a Embraer, você tem uma coisa ou outra na Petrobras, você vai ter alguns âmbitos [da economia] que vão [produzir tecnologia]. Mas hoje, basicamente, a universidade brasileira forma técnicos para operar tecnologias já produzidas, e não para produzir nada.
Então, eu não vejo qualquer mudança estrutural de fôlego no país, à parte de uma mudança nas relações de propriedade, à parte da construção de um processo revolucionário no Brasil que possa colocar as principais estruturas produtivas sob controle de conselhos de trabalhadores organizados e que possa fazer de forma planejada a economia do Brasil, mas mesmo isso é muito limitado. O processo de desindustrialização no Brasil é tão grande que isso vai depender fortemente da expansão desse processo em escala internacional.
Veja que correr atrás de tecnologia que nós não possuímos [é tarefa árdua]. Eu vou dar um exemplo para você da China - está todo mundo aí falando, “a China, blá, blá, blá” [alusão aos debates recentes sobre China nas redes sociais], não vou entrar em detalhes sobre isso, mas, por exemplo - a China está no topo em tecnologias novas que surgiram nos últimos 15, 20 anos, 25, 30 no máximo, e que ela conseguiu entrar com força já na largada. É o caso de painéis solares, é o caso do carro elétrico, que embora exista há mais de um século, só recentemente, tem sido produzido em escala industrial. Ela entrou na largada, ela não entrou depois. É o caso das torres de internet 5G, da Huawei, que está hoje no topo da tecnologia. Todos são setores que a China entrou na largada.
O problema da disputa tecnológica é que os países dominantes não só têm controle do capital, mas eles têm controle do conhecimento técnico. Então, você vai correr atrás de um conhecimento que você não tem, você vai levar 5, 6, 7 anos para adquirir. E quando você adquirir, aqueles que você adquiriu de formas legais ou ilegais já estão lá na frente de novo. Então, veja o que acontece na China em semicondutores, por exemplo. Há 10 anos atrás, a China estava duas gerações atrás na produção de semicondutores e teve investimento estatal massivo, inclusive empresas adquiridas, para poder correr atrás disso e não depender de semicondutores feitos hoje em Coreia, Taiwan, Estados Unidos. Cinco anos atrás, ela continuava duas gerações atrás. E hoje ela está duas gerações atrás. Ela avança na sua tecnologia de semicondutores, só que os outros avançam um, dois degraus para frente junto com ela. Ela não consegue alcançar, ela continua ainda absolutamente obsoleta nessa área.
Então, eu não tenho dúvidas de que para ter uma mudança realmente estrutural, profunda no Brasil, você precisa de um processo revolucionário no país que organize a sua produção e distribuição sobre novas bases. Agora, o que não quer dizer que nós não perdemos oportunidades, que continuamos a perder e que a situação poderia estar “melhorzinha” do que ela está agora. Também não quero cair nesse determinismo de dizer que desde lá do século XIX, salvo uma revolução socialista, o Brasil estava predeterminado a estar exatamente onde ele está agora. Não, não é verdade. Também isso não é verdade.
5° pergunta - Rodrigo/Revista Barravento: Gustavo, no seu último comentário, você ressaltou uma série de mecanismos que o Estado possui para, vamos dizer assim, tentar salvaguardar essa dinâmica econômica capitalista. E, logicamente, igual você bem pontuou, isso não se dá da mesma forma em todos os lugares. Então, é claro que o Estado possui uma autonomia relativa, inclusive, sobre a dinâmica econômica, para agir. Mas a gente gostaria de perguntar para você sobre um dos mecanismos em específico de atuação do Estado que você até chegou a mencionar na última resposta, que é a questão da dívida pública, que eu acho que é uma deflagração clara dessa articulação entre Estado e a dinâmica econômica. E aí a gente faz essa pergunta justamente porque, para nós, parece que tem tido alguma relevância, para além da realidade brasileira, também para o seu estudo, enfim, para os temas que estão sendo trabalhados no canal [Orientação Marxista]. É um tema que está sendo recorrentemente tratado por lá. Então a gente gostaria de entender como funciona esse mecanismo, quais são os seus limites e problemas para um futuro próximo, ou talvez até mesmo iminente da dinâmica econômica.
Resposta - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Certo, Rodrigo. Agradeço demais pela pergunta. Esse tema é absurdamente fundamental. Curiosamente, a maioria das pessoas não sabe que Marx tratou dele de maneira significativa - o livro III do Capital, na parte do crédito e capital fictício, que é a segunda parte da sessão 5. É verdade que é uma sessão bastante caótica, porque ele fez apenas uma redação dessa parte. É a única parte do Capital que só tem uma redação no sentido de que todas as outras partes do Capital, você vai ter esboços anteriores, nos manuscritos de [18]61 e [18]63, nos Grundrisse, esboços iniciais dessas partes, que ele [Marx] reescreve no manuscrito que Engels usou de base para editar o livro. Essa é a única parte que foi [utilizado] o primeiro [esboço] que ele escreveu, foi essa do crédito do Capital Fictício.
Inclusive, eu tenho feito uma ampla discussão [sobre a dívida pública] - pelo menos tenho iniciado, pretendo fazer uma ampla discussão. [Há, por exemplo] alguns materiais que a gente publicou no Ilaese. Inclusive, o último anuário já traz alguma coisa sobre isso, mas o Ilaese vai publicar um novo anuário estatístico esse ano com análise bem mais detalhada sobre a questão da dívida pública. E eu também, assim que eu conseguir terminar de dar o “ok” na revisão, porque a quantidade de tarefas está me matando, estou indo publicar o meu livro, que eu venho anunciando há muito tempo, Marx e a Filosofia, o Capital como Crítica à Metafísica, que tem toda a quarta sessão dele dedicada ao livro III e com uma ênfase bem grande nessa parte do capital a juros, que é a sessão 5, e todas as formas derivadas do capital a juros, onde os títulos da dívida pública, que é uma forma de capital fictício, se encontram. E essas discussões que eu tenho feito, elas, na verdade, estão lá no Marx. Dá um pouco de trabalho pelo aspecto caótico do manuscrito. Nessa parte a estruturação que o Engels tentou fazer lá, acabou não ajudando muito. Em outras partes, o Engels foi muito bem na edição, na minha opinião, mas essa parte, ela é difícil, de fato, de organizar.
E eu tenho batido nessa tecla que a dívida pública. E a “dívida” que Marx está analisando lá [no livro III] não é a dívida externa, não, é a dívida interna, é a compra e venda de títulos da dívida, ela tem uma função primordial para o capitalismo e é um dos traços que entrelaça o Estado, não só como condição para a reprodução do capital, mas dentro do movimento do capital. Eu vou até explicar isso um pouco mais, porque isso é muito importante. Por exemplo, o Estado tem que criar um padrão monetário. Veja que você pode usar mil moedas dentro de um país, não é essa a questão, mas essas moedas todas você vai valorar em relação a uma moeda que é um padrão estabelecido em um país inteiro para criar uma referência de comparação entre as mercadorias.
Se você chegar aqui e falar assim “quanto custa esse celular?”. Se falar assim “é 0,03 Bitcoin” e se uma outra coisa está valorada em uma outra criptomoeda, você não consegue comparar as duas coisas.
Então, todas elas [mercadorias] têm que estar [valoradas em relação a um padrão monetário]. Veja que um padrão monetário é só uma condição para a reprodução do capitalismo. Não é o Estado atuando no movimento, é ele estabelecendo as condições. Se você pegar regulamentação de jornada de trabalho, de maneira a permitir que as empresas concorram em iguais condições com relação [umas às outras], mesma coisa. O movimento da dívida não, ela entrelaça o Estado ao movimento de reprodução do capital porque o principal papel da dívida pública é tentar resolver o que eu digo que é a contradição mais mortal do capital, que é o fato de que o capital não tem outra saída a não ser crescer de maneira contínua. Toda empresa capitalista quando produz, ela produz um excedente. Ela tem que reinvestir todo esse excedente, senão o dinheiro se desvaloriza. O efeito da inflação parte daí.
Se a massa das empresas em um país não consegue reinvestir o seu excedente, você produziu de forma monetária mais dinheiro ao final do processo, mas você não gerou mais riqueza. Só que qual é o problema? O capital coloca problemas para que ele próprio possa se reproduzir em escala ampliada. E aí sim, os limites do mercado interno brasileiro atuam de maneira decisiva. Com relação a esse aspecto, o Ruy Mauro Marini tem razão. Ele subestimou o ponto de que o Brasil pode sim desenvolver um mercado interno tipicamente capitalista para a massa da população, mas com relação aos limites desse mercado interno, ele tem razão. No Brasil, você não amplia a produção, por exemplo, de bens de consumo duráveis, tirando coisas que surgiram agora, quase nada, há décadas.
A produção de automóveis no Brasil hoje é quase metade do que era 10 anos atrás, 40%, 35% menor. Então, o capital não tem para onde sair. A dívida pública é a forma como o Estado absorve o capital excedente da sociedade, que não tem por onde ser aplicado. O Estado absorve esse capital e evidentemente vai imediatamente gastá-lo, e as coisas vão se vincular, porque, veja: se os capitais não estão tendo onde colocar os capitais deles, é porque a economia não consegue crescer. Se a economia não consegue crescer, significa que você não consegue produzir mais riqueza, as pessoas não conseguem comprar essa riqueza e isso impacta nas despesas, na arrecadação estatal, que extrai essa riqueza da sociedade. Então, também o Estado está precisando de dinheiro.
Então, o Estado absorve esse capital [por meio da emissão de títulos da dívida pública], ele [capital] passa a existir de forma puramente fictícia, fictícia na forma de um título de valor. É diferente da forma fictícia de uma ação, porque numa ação, aquele capital continua existindo, aquele capital representado pela ação - a empresa está produzindo, está comprando, vendendo, comprando, vendendo. Aquele capital continua existindo -, o título da dívida, não. O Estado recebe o recurso, gasta, e aquilo vira só um título de papel. Ele paga os juros, seja produzindo mais títulos, seja arrancando recursos da sociedade. Mas na promessa de que dias melhores virão, ou seja, de que ele vai poder pegar esse capital que ele absorveu e agora, além de absorver capital, agora ele está, na média, devolvendo capital para os capitalistas poderem aplicar.
Esse é um processo que, evidentemente, adia o problema da reprodução do capital pela via do Estado. O capital não consegue se expandir e o Estado absorve. Mas se isso não é invertido, uma hora a coisa explode, evidentemente. Porque você vai ter que ficar pagando títulos com títulos, títulos com títulos. Você vai ter que estar absorvendo tanto capital, numa magnitude tal, que a emissão monetária no país se torna completamente descontrolada, você volta a ter problemas de inflação absolutamente crônica, você corre o perigo do Estado entrar num processo de falência, como o da Argentina, [que] já está nesse estágio há bastante tempo, diga-se passagem. Então, a dívida pública é um processo por meio do qual o Estado absorve capitais da sociedade que já não têm onde mais ser colocados.
A elevação do endividamento público na enorme maioria dos países, mundo afora, representa isso. No fundo, aquilo ali é capital, capital privado, em sua maior parte, que não tem mais onde ser colocado e que é colocado nos braços do Estado, que o remunera - com a promessa de devolvê-lo no futuro. Por isso, a palavra de ordem dos capitais no mundo inteiro - e no Brasil mais do que em outros lugares do mundo hoje - é: “ajuste fiscal”. Ou seja, eu quero ter a garantia de que o Estado vai conseguir devolver esses títulos no momento adequado, quando a indústria brasileira, quando o capital brasileiro começar a se expandir. E para isso o país tem que passar a ter superávit, o país tem que começar a ter mais arrecadação do que gastos para ele começar a usar esse excedente para devolver esse capital para o restante dos capitalistas brasileiros.
A palavra de ordem é “ajuste fiscal”. Hoje isso é verdade até para o Estados Unidos, pela primeira vez em décadas. O Estados Unidos nunca precisou se preocupar com isso, porque o Estados Unidos - como é a moeda usada no mercado mundial, o dólar - mandava dólar para o mundo inteiro por meio de um déficit comercial, que ele já tem há muito tempo, então ele comprava mais de fora do que vendia para fora. Com isso você mandava dólar [para fora] e esses dólares voltavam para os Estados Unidos comprando títulos do Tesouro Americano, e os juros do Tesouro Americano eram zero, eram 0,2, 0,3, ou seja, ele [EUA] era financiado a juros irrisórios pelo capital do mundo inteiro.
Agora os Estados Unidos têm tanta crise interna - que gerou uma inflação que chegou a duas casas decimais com o Biden -, [que] eles tiveram que ampliar a taxa de juros e o Estados Unidos, ano passado, pela primeira vez em décadas, pela primeira vez desde a Primeira Guerra Mundial, gastou mais com juros da dívida do que com defesa, por exemplo. Então, o mecanismo da dívida é um mecanismo fundamental para a gente entender a natureza do capitalismo, para a gente entender o atrelamento do Estado ao capital - Estado e capital são dois lados da mesma moeda -, o atrelamento do Estado capitalista ao capital privado e como, aí, ele se vincula ao próprio movimento de reprodução do capital, absorvendo ou ressuscitando o capital excedente quando os capitalistas não conseguem mais investir, devolvendo assim que for possível e quando for.
Então, eu sei que é um mecanismo que não é simples de ser explicado, ele depende de algumas mediações, vamos chamar assim, mas a gente tem que fazer um esforço nesse sentido. Acho que ele é fundamental para a gente entender os limites que estão dados para a intervenção do Estado hoje em qualquer país. Eu acho que esses limites não são absolutos, mas eles não permitem nenhuma reconfiguração geral da sociedade, principalmente no caso brasileiro. E [é também fundamental] para que a gente entenda como hoje os capitalistas a nível mundial dependem do Estado como uma questão de vida ou morte. A tal ponto [que] até mesmo o Estados Unidos, como eu falei [também assumem a palavra de ordem de “ajuste fiscal”]. Não sem razão, Musk pegou o ministério que tinha como principal missão cortar gastos públicos, o que nunca foi bandeira central dos Estados Unidos ao longo das últimas décadas.
É [bandeira central] para o Brasil. Desde uns 30, 40 anos. O centro aqui é cortar gastos públicos. Mas não reduzir a carga tributária. É cortar gastos públicos para que essa despesa possa alimentar o capital cada vez mais dependente do Estado. Seja o Estado como consumidor, por via da terceirização e outras coisas, seja por via, inclusive, das políticas assistencialistas, seja pela via da absorção do capital por meio do mecanismo da dívida. Então, o resumo da ópera é esse: quando o Estado tem superávit, o Estado está devolvendo capital para a sociedade.
O Brasil, durante o período de maior crescimento, durante o período dos dois primeiros mandatos do Lula e do mandato da Dilma, tinha superávit primário, ou seja, ele arrecadava mais do que gastava. O excedente ia para a dívida pública, devolvendo para o capitalista aquele capital que os capitalistas tinham locais de investimento naquele momento, até 2014, 2015. Bate certinho. De 2014, 2015 para cá, é déficit orçamentário e, fundamentalmente, o Estado brasileiro, ano após ano, absorve o capital da sociedade que não tem onde ser colocado. É, de fato, um processo que caminha para uma implosão, para um colapso social, nos patamares em que a Argentina vem passando desde o início dos anos 2000. talvez até mais forte.
Para a gente ver como a situação do Brasil hoje é pior, por exemplo, houve um boom das commodities que alimentou a economia brasileira nos anos 2000 com o governo Lula. Houve de novo um boom das commodities durante a pandemia, até ano passado, tão grande como o que houve nos anos 2000. Só que esse boom das commodities só serviu para o Brasil conseguir tapar o buraco naqueles anos. Ela não pôde mais fomentar processo de desenvolvimento nenhum. Ou seja, não se trata de uma reprodução de mais do mesmo, se trata de uma reprodução descendo a ladeira, se trata de uma reprodução que caminha para cenários sociais, políticos, econômicos muito mais drásticos no futuro próximo.
6° pergunta - Marcos/Revista Barravento: Gustavo, indo agora mais para o final, vou tentar sintetizar aqui algumas questões - que eu acredito que possam ser sintetizadas, porque muitas das questões que a gente tinha pensado previamente já foram abarcadas de uma forma ou de outra ao decorrer dessa exposição, mas pensando agora na questão de um certo projeto de reindustrialização e nas disputas que existem dentro das esquerdas em torno de uma possibilidade de projeto de reindustrialização. Eu falo isso pensando em certas figuras, claro, não me remeto aqui à academia, mas a figuras atuantes politicamente, penso no Ciro, em todo esse pessoal mais ligado ao desenvolvimentismo e tal, e que vê no Estado uma possibilidade de uma outra coisa. Pelo menos hoje, diante desse marco que você delimitou de possibilidades muito reduzidas em relação ao que foi o Estado brasileiro antes, pensando nisso, como é que você enxerga a intervenção estatal, pensando no problema da reindustrialização, da necessidade de uma reindustrialização?
Resposta - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Certo. Essa coisa é bastante curiosa. Eu mesmo - hoje menos, mas um tempo atrás - eu assistia muito as entrevistas do Ciro Gomes, por exemplo. E era muito curioso, quando ele fazia o diagnóstico dos problemas, muita coisa eu concordava com ele. Muita coisa. É até interessante desse ponto de vista. Agora, quando vinha as soluções, eu às vezes ficava pensando assim, “será que ele acredita mesmo que dá para reverter todo esse cenário que ele acabou de descrever, com essas medidas?” Porque, por exemplo, quando a gente fala em industrialização no Brasil, tem gente que não entende nada disso, acha que está falando de um setor da economia, não, está falando da produção de riqueza de toda a sociedade.
A questão da desindustrialização do Brasil pode ser resumida na seguinte frase: uma desindustrialização relativa. Todos os setores que existem são industriais em alguma medida, inclusive o agroexportador. Mas significa redução da cadeia de valores do capitalismo produzido aqui no Brasil. E redução da cadeia de valores para todos os agentes sociais, trabalhadores e capitalistas. Significa que a gente tem menos indústrias com tecnologia intensa, com alto valor agregado. E [isso] se deve a vários fatores que se agravaram nas últimas décadas. As transformações tecnológicas que nós tivemos no século XX - primeira metade do século XX - elas levaram a setores de ponta que demandavam que as suas unidades produtivas fossem instaladas razoavelmente próximas do local de consumo. Não dava para você produzir automóvel lá nos Estados Unidos e transportar. Até dava, mas o preço que ia chegar aqui era exorbitante.
Para você de fato alimentar o mercado brasileiro com automóvel, tinha que ter montadora aqui. Para você de fato alimentar o mercado interno brasileiro com eletrodomésticos, geladeira, fogão, televisão, equipamento de som, tinha que ter mercado interno aqui. Tinha que ter unidades [produtivas] instaladas aqui. As últimas transformações tecnológicas, os setores de maior valor agregado não precisam mais disso.
Primeiro a gente teve nos anos [19]70 - ah, o quê? As pessoas chamam [assim], a classificação pouco me importa - a “terceira revolução industrial” nos anos [19]70, que abriu caminho para os setores cuja base é semicondutores. Hoje, praticamente, todo eletroeletrônico virou um computador. Uma televisão hoje é um computador, por exemplo. Até uma máquina de lavar hoje é, em grande medida. São todos digitalizados. São produtos muito mais leves, produtos que ocupam muito menos espaço. Celulares. Hoje a forma de computador mais usada são celulares.
São bens que podem ser produzidos em um local só do mundo e transportados para cá ou meramente montados aqui. Até na indústria automotiva, o carro elétrico, se você não produz a bateria aqui, você abastece o mercado interno brasileiro com 80% menos de trabalho em toda a cadeia de produção, porque o grosso está na produção da bateria e de mecanismos digitais, semicondutores, que são todos feitos lá fora.
Então, o que a gente tem é uma redução da produção de riqueza aqui dentro do Brasil. Aí é muito curioso, por exemplo: o governo Lula faz um projeto de reindustrialização que dá subsídios, por exemplo, para o setor siderúrgico. Olha, mas o setor siderúrgico, já tem uma capacidade instalada que atende mais do que o suficiente para atender o mercado interno brasileiro, até porque o uso de aço tem reduzido, os veículos se transformam cada vez [mais], demandam menos aço. Coisas que antes utilizavam aço, sei lá, latas de óleo, não precisa mais, agora é tudo indústria química, plástico, dentro da cadeia do petróleo.
Então, não tem o que ampliar no setor siderúrgico brasileiro. E não fosse bastante, a China tem hoje um setor de meios de produção altamente organizado. O aço chinês só não fale o setor siderúrgico brasileiro inteiro porque existem tarifas que impedem que ele seja simplesmente transportado de lá e vendido aqui, senão ele chegava aqui mais barato. Ora, o que vai fazer o setor siderúrgico [brasileiro] com esses subsídios no setor siderúrgico? Eles vão embolsar e vão transferir para o mercado estrangeiro, vão comprar títulos da dívida interna brasileira, vão ver se tem algum "setorzinho" de serviços, alguma coisa aqui dentro do Brasil que possibilita aquilo ali ser aplicado. No máximo, [vai] abrir as fábricas de fertilizantes no Brasil, estou extremamente favorável, acho que é positivo, mas é uma coisa “desse tamanhinho”. E você está falando de uma indústria de fertilizantes que nem é voltada para exportação, que nem é capaz de atender o agronegócio brasileiro interno.
[Aos] setores de alta tecnologia, não há nenhum projeto do Brasil entrar em absolutamente nada. Não há projetos estruturados. Lembrando que o Brasil tem alguns pontos de partida. O Brasil tem, por exemplo, a Embraer, que é uma indústria de tecnologia de ponta que poderia servir de ponto de partida para o desenvolvimento de outros setores. Porque dentro da indústria aeroespacial, hoje a gente tem software avançado, a gente tem alguns equipamentos eletroeletrônicos avançados, a gente tem sistemas que poderiam ser usados na navegação, a partir daí, e na indústria ferroviária.
O Brasil, pouca gente sabe - quando eu digo que a gente perdeu oportunidades - tinha uma das maiores indústrias navais do mundo no início do século XX. O Brasil hoje não tem mais indústria naval. O Brasil tinha marcas consolidadas no setor eletroeletrônico. Na época a CCE [Comércio de Componentes Eletrônico] tinha má fama, mas [a] Gradiente era de umas marcas de eletroeletrônico mais renomadas dentro do Brasil. Foram todas para o ralo. Você tinha que ter um projeto de desenvolvimento, evidentemente, que partisse de polos que ainda sobrevivem no Brasil, para a gente não começar do zero, como a Embraer. Você ia ter que reestruturar o setor aeroespacial no Brasil. A Embraer tem condições hoje de construir um avião que concorra com as versões menores do Boeing 737 e do Airbus A320, que são os aviões que são usados na aviação comercial do Brasil hoje. Ela já produz o E-195, que já está a uma capacidade de 80, 90 passageiros para igualar esses aviões.
Ela só não entra, porque para você entrar, primeiro: não poderia ser uma empresa de capital quase totalmente privado, maior parte estrangeira, como é ela, que está preocupada com lucro rápido e precisa de ter uma retaguarda que garanta o mercado interno brasileiro. Mas [ainda sobre] os aviões da Embraer, vou te dar uma ideia: a Boeing, o 737, o protótipo inicial que eles vêm aprimorando, foi feito na passagem dos anos [19]50 para os [19]60. A Embraer reconstruiu aviões novos nas últimas décadas, foram construídos do zero e já estão no mercado. Com tecnologias extremamente avançadas em termos de design, em termos de projeto de asa, coisas nesse sentido. Então você teria que ter projetos arrojados nesse sentido. Vamos usar essa empresa como ponta de lança. O setor privado não quer saber? Então essa empresa tem que ser expropriada.
O mercado interno vai ser abastecido com esses aviões para que você garanta saída e essa tecnologia seja utilizada para a reconstrução da indústria naval brasileira e vários outros setores que estão associados à indústria aérea, setor ferroviário - o Brasil, que a malha ferroviária foi abandonada para fomentar uma indústria automobilística de caminhões e veículos de grande porte, que é muito mais caro [manter]. Enfim, teria que ter projetos dessa natureza. E isso, eu estou fazendo um esforço aqui para não precisar falar de revolução socialista, de nada disso. Um projeto de desenvolvimento nos marcos do capitalismo. Eles teriam que ter propostas, pelo menos para me escutar e falar “pago para ver”. Está entendendo? Isso não vai resolver o conjunto dos problemas sociais do Brasil, mas vale a pena apoiar isso aí.
Teriam que ter propostas nesse sentido, e não subsídio para setores industriais que já não têm mais para onde correr, tanto em termos tecnológicos quanto em termos de abastecimento interno, e menos ainda em termos de exportação. Então, quando o Ciro Gomes traça o quadro do Brasil, você fala assim “pô, uns 80% que você está falando aí, eu concordo”. Eu acho que o quadro é até pior do que esse [traçado por Ciro], mas agora, quando vêm as propostas, elas são muito tímidas, são “desse tamanhinho assim”. Você fala assim “pô, eu não consigo acreditar que esse cara acredita que essa proposta dele vai resolver o tamanho do problema que ele mesmo falou no momento anterior”. Percebe? Mas eu acho que a gente tem que conseguir mostrar para a população brasileira que o problema da desindustrialização relativa no Brasil é o problema da redução da cadeia de valores produzidos aqui dentro.
É da indústria que vem o valor que o comércio distribui. É da indústria que vem o valor que o serviço consome. O que faz [a] saúde? Consome equipamentos médicos. Você está entendendo? Os serviços consomem riqueza que já foi produzida. Um país só pode ser uma potência em serviços, os Estados Unidos [por exemplo], porque ele tem uma produção industrial dentro e, sobretudo, fora dos Estados Unidos, gigantesca, com o capital migrando para lá. A redução da indústria brasileira do ponto de vista do valor que ela agrega é uma redução de todos os outros setores, que eles não têm de onde arrancar valor. Eu acho que o centro do que os marxistas têm que saber falar em termos de teoria do valor para o Brasil é que teoria do valor, o núcleo central dela, é só o seguinte: não existe riqueza criada do nada. O centro dela [teoria do valor] é esse. Toda aquela complicação é para mostrar só onde ela foi produzida, como ela se redistribui, você está entendendo? Mas não existe setor bancário que vive de juros se esses juros não têm de onde arrancar esses juros. Não existe setor imobiliário que vive da renda se não tem de onde arrancar aquela renda que é paga ao setor imobiliário. Não existe excedente para o comércio se não tem de onde tirar as mercadorias que vão ser comercializadas. Não tem recurso nenhum para os serviços, se você não tiver de onde arrancar a riqueza, que os serviços vão consumir ao oferecer aquele serviço. Percebe?
E posso até ilustrar com exemplos recentes do noticiário brasileiro, por exemplo - não quero mudar para esse tema não, viu, gente? É só um exemplo - a guerra tarifária agora do Trump. O pessoal [diz] “Ah, mas o que a China exporta para o Estados Unidos é só 2% do PIB da China”. Vocês estão de brincadeira comigo. 2% é porque o PIB, na metodologia do PIB, ele soma o excedente do banco, soma o excedente do comércio. Ora, esses 2% do PIB da China estão alimentando ali 20 milhões de trabalhadores, que vão deixar de consumir no comércio, que vão deixar de consumir nos serviços, em todos os demais domínios, empresas que vão deixar de pegar financiamento, que não vai produzir juros para os bancos. Não é 2% da economia, é muito mais do que isso - ainda que o problema seja ainda maior para dentro dos Estados Unidos, não vou entrar nisso agora.
Então, o problema da industrialização do Brasil é isso: é da redução da riqueza produzida aqui dentro. Isso [se] enraíza para todos os setores da sociedade. Daí, para quê pesquisa, desenvolvimento e extensão na universidade pública se nós não usamos isso para nada e o Estado mal está dando conta de absorver capital e consumir o que o capital demanda para ele manter o patamar em que ele está? “Fecha essa porcaria”, entendeu? “Vamos formar só tecnólogos para operar essas tecnologias que estão aí”. E por aí a gente vai descendo a ladeira ano após ano, tempo após tempo.
Então eu acho que é sim uma discussão fundamental e que a gente tem que conseguir passar para a sociedade que é muito maior o problema do que se fosse um setor dentre dez que está caindo. A gente está falando aqui da redução da economia brasileira no seu conjunto e que nenhuma dessas propostas que vão aí do Haddad ao Ciro Gomes não passam de subsídios tímidos em setores de pouco valor agregado, situados, assim, na periferia da cadeia de produção de valores do capitalismo de hoje. E que, às vezes, eu tenho dúvida se eles acreditam na efetividade daquilo ali.
7° pergunta - Rodrigo/Revista Barravento: Gustavo, já estamos, então, caminhando para o final da nossa conversa. Talvez, de arremate, você já até comentou algumas questões que eu vou te perguntar agora, na sua última fala, sobre explicar para a classe trabalhadora como se dão esses processos, que não é apenas uma questão de falha da gestão do Estado. E aí a pergunta que fica é: como fazê-lo? Como ganhar o coração e mente dos trabalhadores e o que nós, comunistas, podemos e devemos fazer diante desse contexto [em] que, em grande medida, a classe trabalhadora se aliou a uma esquerda que tem quase que uma crença de fé mesmo, de cunho religioso, de que o Estado será capaz de resolver todos os problemas, ditos estruturais, enfim, os problemas que nós sentimos na vida cotidiana? Então, como fazê-lo?
Resposta - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Antes de eu dar um pitaco sobre essa questão, eu também vou fazer um “parênteses” aqui: não pode parecer que eu tenho aqui a fórmula e a chave mágica de todos [os problemas], está longe de ser verdade. Eu admito várias dificuldades. Eu admito várias dificuldades que existem atualmente, ligadas, por exemplo, à fragmentação da classe, envolvendo a terceirização que se torna generalizada, trabalhos feitos em casa, vários sistemas hoje digitalizados com trabalhos dispersos ao longo do país inteiro. Eu não nego que existem vários problemas e que nós temos algumas mudanças de fundo na conformação da classe trabalhadora. É muito contraditório: não é que está existindo menos trabalhador assalariado, e nem sequer [menos trabalhadores] industriais, para ser bem sincero. Na verdade, essas revoluções tecnológicas que estão aí, elas atingem em cheio o setor de serviços e o setor de mais elevada qualificação, [atingem] mais do que o trabalho manual, por exemplo. Então, existem dificuldades que eu não nego que elas existem, elas têm que ser estudadas e a gente tem que entender as melhores formas de intervenção em meio a cada uma delas. E eu estou longe de achar que eu tenho todas as respostas para essas questões e tudo mais, mas alguns pontos eu acho que dá para ser comentados sem o menor pudor.
O primeiro deles: domina hoje uma esquerda que insiste em achar que dá para apresentar uma solução para os problemas que afligem hoje a massa da população, dos trabalhadores, por um viés puramente institucional e desenvolvimentista. E pior, não é que isso é apenas um discurso, isso é o que dominou os governos, por exemplo, na Europa, no Brasil e na América Latina ao longo das últimas décadas. Eu, inclusive, não tenho dúvida de que essa é uma das bases que deu gás à ultradireita. Não só, tá? Eu acho que tem outras coisas também. Eu sei que tem muitos preconceitos na sociedade, várias coisas aí que também alimentaram [a ascensão da ultradireita]. Eu acho que há setores médios na sociedade em descenso social, desesperados, que também foram alimentados por esses setores.
Mas, se você parar para analisar, hoje nós temos uma esquerda dominante que não tem nada a dizer, ela só defende as instituições que estão dadas. As pessoas querem mudança e a esquerda faz o quê? “Não, nós temos que defender esse Estado democrático de direito”. Veja, acho que tem que defender as liberdades democráticas ao máximo, mas isso é completamente diferente do que defender toda a institucionalidade que ancora o Estado democrático de direito, tipicamente capitalista, com todas as suas características. Está entendendo? Se tornaram o quê? O bastião, a esquerda hoje se tornou o suprassumo do conservadorismo. Ou seja, é quem se coloca na porta de frente de defesa das instituições, de defesa daquilo que o mundo vem vivenciando nas últimas décadas e que tem gerado uma série de problemas, crises, das mais diversas naturezas, que fazem com que hoje a maioria da população esteja indignada.
É uma esquerda, sobretudo uma esquerda dita marxista, onde o socialismo aparece para os dias de festa, e que sempre respondem a mesma coisa quando se coloca isso. “Ah, mas a revolução não está dada para amanhã”. A questão não é essa. Eu não sei quando vai ou não vai ser dada uma revolução. Eu não sei, eu não tenho a chave da história na minha mão. O que eu sei é o seguinte: qual é a situação e o que nós temos que fazer e o que nós temos que construir a partir disso. Está entendendo? Nunca vai estar dada uma situação em que processos revolucionários possam ser guiados no sentido de uma socialização dos meios de produção, no sentido de um trabalho que seja feito de forma planejada, consciente. Nunca vai estar dado se nós não construirmos isso.
E também colabora muito para [o predomínio dessa posição] uma esquerda que se diz marxista, mas que faz apenas um trabalho de denúncia dos problemas imediatos que todo mundo sabe, e depois dá saltos gigantescos sem mostrar a conexão daqueles problemas com a sociedade que nós vivemos, percebe? Não adianta nada eu chegar aí e falar assim “o Brasil precisa do socialismo”. Mas por que? De onde isso aí surgiu? Você pega e coloca a culpa nos setores capitalistas, mas sem mostrar por que eles têm culpa, onde está, quais os vínculos, quais as conexões. A gente precisa ter propaganda, precisa ter o discurso afiado, precisa conhecer o Brasil a fundo, as especificidades do Brasil, as inúmeras cisões que são produzidas, fazer disputas de propaganda permanente em todos os espaços existentes, procurando dar uma compreensão às pessoas, das características da sociedade que a gente tem e, sobretudo, atuar de forma organizada dentro desses espaços.
Eu estou longe de acreditar que eu tenho resposta para todas essas questões, mas nós não vamos ganhar corações e mentes meramente defendendo as instituições. Nós vamos defender o que foram os direitos acumulados pela classe trabalhadora ao longo da história. Isso é diferente de defender as instituições, percebe? Eu quero liberdade para me organizar, óbvio que sim. Quero liberdade para me organizar, para lutar pelo que é meu, para poder fazer propaganda, disputar os processos, atuar. Isso sim. É completamente diferente de defender o aparato jurídico, estatal, político existente. E, sobretudo agora, que a gente vive um momento que o próprio capital, para continuar o processo de acumulação, ele está pondo abaixo vários dos preceitos que foram consolidados ao longo das últimas décadas, dos anos [19]70 para cá, inclusive com possibilidades de abrir mão mesmo de regimes democráticos capitalistas burgueses, para regimes mais autoritários. A gente cai em um ledo engano se a gente acha que vai garantir isso que a gente está perdendo, segurando defensivamente nas instituições que são justamente o alvo da indignação de boa parte das pessoas. A gente tem que mostrar para elas o vínculo dessas instituições com o setor privado, como elas estão organicamente ligadas umas para às outras, como elas se beneficiam desse sistema. Então, [temos que mostrar] essa vinculação entre o Estado e o setor privado como parte de um mesmo sistema e, principalmente, mostrar como várias coisas ordinárias que nós temos na nossa vida hoje [se articulam], [coisas] que a gente se acostuma - juros, renda, preço, lucro, etc. [Temos que] conseguir mostrar para as pessoas, ainda que de formas não teóricas, de formas mais palatáveis e tudo, a vinculação que existe entre aquilo ali com a disputa pelo trabalho excedente que a classe trabalhadora a nível mundial produz e reproduz todos os dias.
Essa é a briga Estados Unidos/China. Percebe? Essa é a briga entre o setor agroexportador brasileiro com algum setor incipiente da indústria voltada para o mercado interno ou com o setor bancário do Brasil. Nós temos que saber levar essas discussões adiante, fazer propaganda, estudar mais por parte dos setores que intervêm na realidade, no sentido de estar qualificado para fazer essa disputa. O que foi, em certo sentido, o que a ultradireita fez ao longo dos últimos 15, 20 anos. “Ah, Gustavo, mas as pessoas não vão querer saber disso, não vão querer entender”. Cara, a ultradireita hoje organizou milhões de pessoas com discussões teóricas de liberalismo. Você está entendendo? É claro que isso vai para o povão, para a massa da população, de forma mais palatável, mas conseguiu ganhar a massa de pessoas de que “a previdência pública não presta”, que “o bom é a previdência privada”, que “o problema é o grau de intervenção estatal”, com discursinhos arranjados e um argumento encadeado de por que “o livre mercado vai ser bom para todo mundo e vai resolver o problema de todas as pessoas”. Conseguiu ganhar uma pancada de pessoas. Só que a gente não consegue sair da detecção dos problemas para o vínculo estrutural com a sociedade no seu conjunto. É aí que a gente se engasga - para quem está bem intencionado, querendo fazer uma transformação revolucionária. E o grupo majoritário [da esquerda] nem pensa nisso. É a detecção dos problemas e uma saída institucional que já tem sido colocada à prova há décadas e fracassou no Brasil, na América Latina, na Europa, no mundo.
Então, eu acho que a tarefa que está colocada imediatamente é criar um grupo de pessoas organizadas, grande, numericamente significativo, que possa fazer uma disputa sobre isso na sociedade, fazer uma disputa sobre isso no Brasil, para que as pessoas no seu conjunto possam conhecer essa posição. Aí é que nós vamos contar com as contradições do capitalismo, com as crises e tudo, para que as pessoas possam fazer experiência. Não é que a gente vai falar e todas elas vão acreditar em nós. Elas podem achar um absurdo, mas elas entendendo o que está sendo dito, elas podem fazer uma experiência e tirar suas conclusões. Mas se você não explica, ninguém tira conclusão nenhuma, aconteça o que acontecer. Vocês estão entendendo?
Então, eu acho que passa por isso. Não estou negando várias questões que tem aí. Nós vamos ter que ter linhas, vamos ter que saber entender. Por exemplo, hoje a gente tem uma estrutura sindical que é completamente inadequada em relação à estruturação do trabalho no Brasil. Então, você pega uma empresa qualquer aí: “ah, organiza os metalúrgicos na empresa X”. Beleza, 60% para 70% dos trabalhadores ali são terceirizados e são sindicatos de outro setor, por exemplo. São vários limites dessa natureza que são colocados. Hoje você tem um grau de estabilidade no trabalho que é muito mais reduzido. Você ia em Contagem - eu que atuei muito a partir do PSTU no setor lá -, você ia há 15 anos nos setores industriais, você conversava com os trabalhadores que estavam ali naquela empresa ou em outra do lado há 15, 20, 30 anos. Hoje a pessoa fica um, dois, três anos na indústria e depois ela sai e está na Uber, depois ela sai e está trabalhando online, depois ela está fazendo uma outra coisa. E quem está lá não tem a menor perspectiva de continuar no longo prazo, para dar um exemplo.
Então, existe, sim, uma série de mudanças que exigem de nossa parte reflexão, entender essas alterações e saber a melhor forma de intervir em meio a elas. E que eu estou longe de achar que tenho resposta para todas elas. Mas eu acho que alguns caminhos podem ser claramente indicados e, sobretudo, alguns problemas do que tem sido a prática dominante da débil esquerda brasileira ao longo das últimas décadas.
Considerações finais - Marcos/Revista Barravento: Ok, Gustavo. A gente vai agora ao fim. Agradecemos enquanto Revista ao Gustavo pela entrevista a nós prestada. Acredito que tenha sido uma entrevista de muita valia. E, primeiramente, alguns comunicados. Como eu falei no início, essa entrevista vai ser transcrita e vai ser publicada no nosso site. E para acessar o nosso site, basta escrever lá no Google ou em um navegador semelhante: “Revista Barravento” e vai chegar no nosso trabalho. E segundo: para também acompanhar o que a gente vem publicando, os textos que a gente tem publicado de outras pessoas, [podem] acessar o nosso Instagram: @RevistaBarravento. E diante disso, terceiro ponto: deixamos agora esse espaço para que o Gustavo diga às pessoas os locais em que ele pode ser acompanhado, em que o trabalho dele pode ser visto, e [para que faça] suas considerações finais.
Considerações finais - Rodrigo/Revista Barravento: E [deixamos esse espaço para divulgar] as novas empreitadas também, Gustavo. Você comentou sobre a nova edição que vem aí do ILAESE, [diga] onde pode ser encontrado, a publicação do livro que vai vir agora também, e tudo mais…
Resposta final - Gustavo Machado/Canal Orientação Marxista: Perfeito. Rodrigo e Marcos, primeiro eu agradeço enormemente pelo espaço. Estou sempre inteiramente à disposição. Para mim é um prazer enorme estar conversando com vocês. Eu atualmente estou num período de transição. Eu terminei meu doutorado há algum tempo e estou trabalhando na publicação do texto. Vai sair um texto bastante melhorado em relação à versão original, que vai ser esse livro - “Marx e a Filosofia, o Capital como Crítica à Metafísica”. [Será] a primeira tentativa - da qual eu tenho conhecimento, tá? - de uma análise de conjunto dos três livros do Capital e o eixo que perpassa todo ele. A melhor forma de entender o Capital como crítica à metafísica, está ligado exatamente, penso, com a consciência ordinária das pessoas que, mergulhadas na sociedade capitalista, são sempre expostas a compreensões mais palpáveis e palatáveis que não coincidem com a forma que nossa sociedade funciona no seu conjunto. Então, “como o capitalismo produz essas formas de consciência no interior das pessoas” é um eixo que perpassa a análise, mas que vai estar orientada também por ter essa análise de conjunto da obra principal de Marx. Sobretudo, eu destaco os livros II e III, que são bastante negligenciados e que foi feita uma análise de peso e acredito que tem bastantes aspectos muito originais lá. Eu tenho dedicado muito tempo a isso. O texto, a editora já fez a revisão, só que eu estou dando “ok” na revisão e aproveitando para dar uma passada a limpo no texto no seu conjunto, vão ser dois volumes, mais de mil páginas, provavelmente.
Estou trabalhando também no anuário do Ilaese - e é um anuário que nós publicamos não anualmente. chama anuário por causa do formato, viu, gente? -, que são séries de dados anuais. O Ilaese, que é o Instituto Latino-Americano de Estudos Socioeconômicos, o instituto que eu trabalho, a gente não tem forças pessoais e materiais suficientes para publicar todo ano, mas esse ano vai sair uma edição nova, que tem como novidade uma análise do capitalismo a nível mundial a partir das suas maiores empresas. Nós conseguimos dados - já está em cerca de 600, 700 - das maiores empresas do mundo em série histórica de 25 anos respeitando o peso dos respectivos países. Só de empresas chinesas são 130, 140, que nós fizemos um esforço hercúleo ao longo de 6, 7 anos para conseguir construir essa base de dados. E vai sair junto dela um anuário metodológico digital. Vai ter esse [anuário] impresso e vai ser divulgado [em formato digital] no site do Ilaese: ilaese.org.br, nas minhas redes sociais, [e] no meu canal vou falar muito disso. E esse anuário metodológico apresenta a nossa metodologia, que é uma crítica ferrenha à pseudociência burguesa chamada macroeconomia. Então, é a primeira vez que nós vamos apresentar as primeiras formulações dessa metodologia nossa que procura aplicar uma metodologia marxista para a análise dos dados. Então, a gente faz recálculos, apresenta novos critérios em cima desses dados primários para analisar, por exemplo, o peso real do capital americano, chinês, europeu, brasileiro, etc., onde eles estão. [Para analisar] setores de tecnologia de ponta, o deslocamento da classe trabalhadora a nível mundial, a evolução da produtividade entre esses diversos países do mundo e os diversos setores, entre várias dessas questões. Então, o anuário vai ter uma parte nacional e uma parte internacional, também com artigos e com apresentação desses dados que a gente está apresentando de forma inovadora.
[Além disso] dou uns pitacos lá no meu canal - e eu estou me organizando agora para atuar de maneira mais sistemática -, que é o canal Orientação Marxista. Ainda estou no processo de transição aqui, comprando equipamento, melhorando, tentando tornar ele um pouquinho menos amador, mas todas as iniciativas que iniciei lá - curso do Capital, “enciclopédia marxista”, que comecei ano passado - vou dar vazão ao longo deste ano. Então por lá também dá para acompanhar alguma coisa. Por ora, como eu estou envolvido nessas coisas todas, eu estou escrevendo muito pouco para periódicos, etc. Pretendo voltar à ativa nesse sentido, mas vai ser mais a partir do final deste ano. Só essa tese aí, acho que eu já tenho aqui uns 20 ou 30 artigos possíveis de serem feitos, mas isso eu estou deixando um pouco mais para frente.
E pretendo começar em breve também no portal Opinião, que é organizado pelo partido do qual eu faço parte, uma coluna fixa minha. A gente está organizando isso aí também, com temas mais leves, ensaísticos, textos menores. Devo começar a fazer isso a partir das próximas semanas também. Então, acho que é isso.
Considerações finais - Rodrigo/Revista Barravento: Beleza, Gustavo. Então, mais uma vez, muito obrigado. Nós agradecemos a você, em nome de toda a equipe editorial da Revista Barravento. E como a gente comentou, esse aqui vai ser o primeiro vídeo do canal do YouTube. Acho que não teria pessoa melhor para a gente estar estreando essa nossa empreitada. Então, é algo até novo para nós: para quem chegou até aqui, que possa seguir nas redes sociais, acompanhar o canal e curtir o vídeo, compartilhar e tudo mais. Agradecemos a quem chegou até aqui e principalmente ao Gustavo, por ter aceito prontamente o convite e ter feito essa conversa conosco hoje. Obrigadão.




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