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Cinismo e memória: O democrata Luiz Inácio.

  • Foto do escritor: Igor Dias
    Igor Dias
  • 9 de jan.
  • 5 min de leitura

Atualizado: 11 de jan.

Igor Dias Domingues de Souza

Rafael Jácome

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Se antes Lula era conhecido por camuflar ou silenciar o posicionamento de seus governos diante de pontos importantes para a esquerda na conjutura, operando através disso uma política de apaziguamento ao mesmo tempo que recondicionava símbolos históricos da luta proletária no Brasil para a conciliação via Estado, neste terceiro mandato a tática parece ter se alterado. Para aplacar o apetite de um combate efetivo contra os militares, a extrema direita militarista e a centro direita como tentáculos do bolsonarismo, após a pandemia e ao desastre humanitário que foi o governo do quadrupede verde amarelo (Jair Bolsonaro), Lula III parece busca atacar tudo que está a sua esquerda para reafirmar ora um compromisso, ora uma conivência com tudo que está a sua direita.

No último dia 08 de janeiro de 2025, ao completarem-se dois anos dos atentados golpistas da extrema direita contra a República Federativa do Brasil, Lula reafirmou sua irrestrita lealdade para com a “democracia” (leia-se “Com supremo, com tudo”), apontando que levará a cabo a punição de todos os envolvidos na tentativa de golpe (algo que seria bom).

Mas cabe lembrar que essa democracia pura, incolor, insípida e inodora e cuja existência se encontra apenas nos sonhos da pequena-burguesia ou na realidade dos ricos possuidores de capital, sacrifica diariamente nossa classe a troco de nada para que uns tantos possam usufruir de um “crescimento econômico” tranquilo às custas das vidas dos trabalhadores, medidas por sua força de trabalho. Exatamente por isso, o senhor, seu presidente, cumpre de forma magnífica seu papel de pajem e vem a público tentar convencer a todos os trabalhadores que essa democracia que nunca foi vista por eles nesses 133 anos de República é substancialmente valiosa porque se tornou presidente do Brasil apesar de sua origem trabalhadora.

É nesse sentido que Luiz Inácio, em contrassenso com a experiência histórica altera seu jargão “Nunca antes na história desse país”, ampliando-o para “Nunca antes na história da humanidade” ao atacar as experiências revolucionárias que antes nos dariam alternativas ao reformismo “bunda mole” que o governo Lula III estampa. Isto é nada mais que uma busca por manter sua base eleitoral, que, caso não solucione no governo seu desejo por condenação do bolsonarismo pelas milhares de mortes durante a pandemia (acusação feita pelo próprio Lula na eleição) nem pela punição das cúpulas militares pela tentativa malfadada do 8 de janeiro, tenderá a se fragmentar entre a desilusão e as inúmeras siglas democráticas “radicais” que vemos nascer ou crescer na medida em que o petismo perde folego histórico.

Ao mobilizar determinados anseios da classe, estes correm o risco de minguar ou exceder as expectativas e planos dos burocratas. Com isso, nada mais natural que para disputa-los Lula afirma uma suposta ausência da classe nos processos revolucionários por ela conduzidos, em especial nas revoluções cubana e soviética, tomando algumas figuras proeminentes pelo todo dos dirigentes e dos movimentos. Talvez deva ter se esquecido da opressão imperialista sofrida por nossos camaradas cubanos sob o jugo de Fulgencio Batista, fazendo de Cuba o prostíbulo dos Estados Unidos. Tampouco se recorda das condições miseráveis do proletariado russo sob o semifeudalismo czarista.

O mais problemático é que nem mesmo se trata de uma base forte, como a de outrora, mas sim de um petismo desarticulado eleitoralmente ou desgastado, quando se trata das parcelas não vacilante. Ao não responder aos anseios da classe, o governo enfraquece sua base orgânica, injetando-a com uma significativa dose de desânimo e esgotando suas cartadas românticas ou suas promessas vazias de um radicalismo democrata que não veio e, consequentemente, perde adesão na sua base eleitoral oscilante. Então, ataques como este às parcelas mais radicais da dita esquerda, tanto de sua base quanto das organizações que orbitam a tragédia eleitoral que se desenha para 2026, somando-se a ações como suspensão dos eventos históricos contra a ditadura, tem um duplo caráter; trair sua base e se mergulhar definitivamente na dinâmica que tornou Lula III cada vez mais refém do grande capital.


Mas quem somos nós para questionar o único trabalhador da história humana a chegar no poder, não é mesmo?

Ora, Senhor Presidente... Se “as pessoas não imaginavam que os trabalhadores pudessem organizar um partido e chegar à Presidência da República” é porque os próprios trabalhadores em seus processos revolucionários executaram nos processos revolucionários citados, muito mais do que isso. Não quiseram alcançar somente uma presidência na República das Bananas, mas ousaram tanto em Cuba como na Rússia também em tantas outras localidades a exemplo da China, fazer reais suas expectativas de futuro, que não cabem em qualquer número de mandato, e o fizeram não sob a influência de terceiros, mas com a força de seu próprio trabalho. Nesse caso, se Lula não deseja falar das massas, basta que observemos ainda entre o corpo dirigente dos proeminentes revolucionários proletários (de origem e de ocupação), nos processos citados por ele: Camilo Cienfuegos e Joseph Stalin.

Há, porém, que estranhar a recusa de reconhecer a autoria histórica das massas. Por acaso o democrata Luiz Inácio não se recorda qual tradição histórica de lutas que deu base a ascensão de sua trajetória política, no combate aos militares no Brasil? Onde estão os trabalhadores da fundação do Partido dos Trabalhadores hoje? Poderíamos então afirmar que este partido foi um arroubo aventureiro de "intelectuais, ativistas, estudantes, pessoas com um pouco mais de grau"? Sabemos que os trabalhadores estavam, em boa parte, em movimento favorável fundação do PT, ainda mais em sequência das greves do ABC dirigidas por ninguém menos que o próprio Lula.

Entre o Lula do Velho Testamento (um ser mitológico que só poderia existir na atual miséria política brasileira) e o Lula do Novo Testamento que dá a outra face enquanto os soldados romanos da burguesia brasileira crucificam toda a história da luta de classes mundial, vemos um verdadeiro dilema bíblico digno de Abraão. Mas na bíblia repaginada do petismo Luiz Inácio só se tornará um grande servo do Deus Mercado se tiver coragem suficiente para sacrificar os trabalhadores que apostaram no governo no altar divino do capital. Em suma, elegemos o sacrossanto Lula do Novo Testamento para lidar com o cruel e vingativo Deus do Velho Testamento; demos a ele carta branca para agir como bem quisesse e passamos a respeitar a ira divina em função do medo do inferno bolsonarista, como se não houvesse outra alternativa.

De toda feita, a falsa crítica que realiza às revoluções citadas é melhor endereçada ao próprio governo petista, seja pela atual situação política, em que há uma primazia em aplaudir a presença dos chefes das três forças logo após o desacobertamento de mais outra tentativa de golpe, seja pela política conduzida durante todo o governo petista, em consonância às críticas realizadas nos tempos idos de 1981 aos partidos que, se declarando “populares” não respaldam e ainda se opõem às movimentações legítimas e consequentes das massas trabalhadoras, inibindo o movimento operário.

Talvez o senhor Lula se encontre por tempo demasiado afastado do chão de fábrica para que não compreenda que o futuro é construído à base do trabalho coletivo e não de decretos presidenciais e simbolismos. Os trabalhadores, quando fizerem ser verdadeiramente democrática a afamada democracia, podem ensinar a todos os seus opositores o preço de seus sonhos.

 
 
 

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