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Mais vale uma arma na mão do que uma verdade à mesa

  • Foto do escritor: Murphy Stay
    Murphy Stay
  • 19 de jun.
  • 8 min de leitura
Militares carregam a bandeira da União Europeia. (Foto: European Parliament / Flickr)
Militares carregam a bandeira da União Europeia. (Foto: European Parliament / Flickr)

Por Charles Jr e Antônio Carlos


A economia da zona do euro quase não cresce há dois meses consecutivos, já que a leve expansão no setor de serviços foi quase totalmente consumida pela recessão no setor industrial”, disse Cyrus de la Rubia, economista-chefe do Hamburguer Commercial Bank[1].

 

Mesmo que o sol da primavera já esteja esverdeando, o St. James 's Park, passando pelo Champs-Élysées até a imponente escultura no lindo jardim do Palácio de Livadia, na Criméia, há muito mais que as taxas de Trump soprando o vento polar no Lume da acumulação europeu. Sim, o estado estacionário assola o velho continente há algum tempo. Isso, meus lindos, o trem tá feio no berço do capitalismo. Então, vamos ao que interessa, ao miolo da treta. Chama!

 

O centro do mundo capitalista tem nome e local definido. Ou seja, o grosso da produção e circulação de mercadorias do mundo é composto pela Europa (leia-se Inglaterra, Alemanha e França), Japão e EUA. Você pode produzir em qualquer lugar do planeta, mas 48% do PIB e 26,6% das importações mundiais estão nesta tríade. Junto a isto, está a produção de tecnologia, exportação de capitais e da máquina de guerra. Ou seja, nas crises cíclicas, se seguidas da ingovernabilidade e guerra civil, podem descarrilar para todo o globo como um rastilho de pólvora, caso atinja em cheio alguns desses pilares do modo de produção capitalista. Descarrilar no melhor sentido de classes, ou seja, a velha toupeira de chapéu vermelho voltar a marchar pelo fim da pré-história da humanidade… Mas isto são outras prosas, agora vamos nos ater ao velho continente e seus apuros atuais.

 

Estes dias, recebemos um bom artigo do marxista britânico Michael Roberts[2]. Traz dados censitários e de produtividade europeia através de um relatório da Comissão da União Europeia elaborado por Mario Draghi sobre o futuro da economia desse continente (ex-presidente do banco central europeu, dentre outras coisas mais). Draghi “apresenta um quadro […] preciso, do declínio relativo das economias da UE no crescimento da produção e da produtividade, nos padrões de vida e no progresso técnico em comparação com os EUA e a Ásia.”

Antes dos dados atuais que nos traz o artigo citado acima, vamos relembrar o que o mestre José Martins (in memoriam[3]) falara em 01 de março de 2023:

Países de todo o mundo estão reagindo com extrema rapidez à guerra entre a Rússia e OTAN, primeira guerra de alta intensidade da Europa desde 1945; reavaliando tudo, desde a restauração da produção de centenárias indústrias de guerra, estoques de munição, até linhas comerciais de abastecimento contínuo. Esqueça os dividendos da paz de cemitérios dos últimos oitenta anos de globalização ampliada do capital. Venha para o mundo da globalização do capital e da globalização da guerra imperialista.

 

Apenas um ano depois do início das hostilidades no território ucraniano, um movimento tão germinal de rearmamento global das maiores potências ainda aparece pouco nas estatísticas oficiais e nas próprias publicações da mídia capitalista.”[4]


Voltemos a 2025.

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“O crescimento econômico da UE tem sido consistentemente mais lento do que o dos EUA nas últimas duas décadas… A diferença entre a UE e os EUA no PIB em 2015 aumentou gradualmente de pouco mais de 15% em 2002 para 30% em 2023. A diferença aumentou menos em uma base per capita, pois os EUA tiveram um crescimento populacional mais rápido, mas ainda é significativo, com 34% atualmente. O principal impulsionador desses desenvolvimentos divergentes foi a produtividade[5]. Cerca de 70% da diferença no PIB per capita em relação aos EUA é explicada pela menor produtividade da UE. Muitas economias da UE dependem da expansão do comércio mundial[6].”


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“A UE está entrando no primeiro período de sua história em que o crescimento não será apoiado por uma população crescente. Até 2040, a projeção é de que a força de trabalho diminua em cerca de 2 milhões de trabalhadores por ano.”

Draghi concluiu que:

"Teremos de nos apoiar mais na produtividade para impulsionar o crescimento. Mas se a UE mantivesse sua taxa média de crescimento da produtividade desde 2015, isso seria suficiente apenas para manter o PIB constante até 2050 - em um momento em que a UE está enfrentando uma série de novas necessidades de investimento que terão de ser financiadas por meio de um crescimento maior."

 

Após a confirmação do cenário de novo período do ciclo do capital se generalizar por toda Europa – leia-se, estagnação ou estado estacionário (tendo o aumento do preço da principal matéria-prima para todos os processos produtivos e para a reprodução da força de trabalho, a energia[7], como pedra de toque), as sirenes e alarmes ressoam em Londres, em Paris e em todas as ruas de Berlim: o perigo da crise cíclica funga no cangote do velho continente… Draghi e sua colega Lagarde têm uma certeza: “é preciso dar um jeito meu amigo![8]”.

 

Incentivos monetários e fiscais, cortes nos gastos públicos, desregulamentações, mais impostos, crédito barato e muitas orações em Roma e em todo canto desse mundo cristão para o barco não afundar, Draghi, repetindo a cartilha anticíclica, recomenda a queima… do capital-dinheiro em investimentos, das reservas dos Estados e dos idosos e pobres... ops!, dos investimentos em bem estar social. Rapar o tacho, custe o que e a quem custar. 

Mas o trabalho nunca é fácil para os gestores estatais. Tinham alguns poréns para troca do estado de bem-estar social pelo estado de guerra, essa nova face dos Estados europeus. Estes são: a animosidade em relação às guerras, principalmente na Europa pós segunda grande guerra, o estado de bem-estar social em si, as barreiras legais para o endividamento dos Estados, como os “freios fiscais” na Alemanha, e a correlação diretamente proporcional das políticas públicas com as eleições. 

 

Para explicar como estão pondo as recomendações de Draghi em prática, pescamos outros três “detalhes” do texto de Mr. Roberts.

First - “uma área em que não serão impostos limites de gastos é a defesa.”

Second - “nos EUA uma maior concentração de capital aumentou os lucros das poucas megatecnologias no topo.”

Third- "é necessário um investimento adicional anual mínimo de 750 a 800 bilhões de euros”.

 

Resumidamente, aumentar a concentração do capital, bombar o investimento em tecnologia e ampliar os gastos na indústria bélica. Tudo com a finalidade de retomar a produtividade e ganhar a concorrência para retomar a taxa de lucro perdida no ciclo atual do capital.

 

Europa no ciclo econômico 

 

Observando dados da OCDE, podemos ter uma noção de como está a totalidade de cada economia. Na passagem do primeiro para o segundo trimestre de 2020, a produção da manufatura na maior economia da Europa, a Alemanha, caiu abaixo de índice 100[9]. Já na maior parte dos trimestres até o quarto trimestre de 2024, a produção se mantém abaixo de 100. Fato similar ocorreu na França. Entretanto na Inglaterra, após queda na crise iniciada em 2020, observamos uma notável recuperação, porém, o crescimento da produção industrial vem desacelerando paulatinamente. 

Já na produtividade[10] da manufatura observamos que, com a crise iniciada em 2020, tal produtividade desabou. Ocorreu uma robusta recuperação em 2021. E, em 2022, o Reino Unido se juntou a seus irmãos, passando todas as três grandes economias por uma queda na produtividade. Na média, desde a eclosão da crise de 2020, o crescimento da produtividade de Alemanha, França e Reino Unido foi 0.86, -0.52 e 2.76  e a média do crescimento da  produção foi de 94.7, 97.9 e 105.9, respectivamente. Observando esses dados do recente ciclo econômico, vemos a queda da Alemanha e França na produção da manufatura, mantendo-se abaixo de 100, e a desaceleração da produtividade cola um adesivo na testa do Reino Unido: “O próximo é você”. Ou seja, salve-se quem puder.

 

Tabela 1: produção da manufatura[11]
Tabela 1: produção da manufatura[11]
Tabela 2: Taxa anual  de crescimento da Produtividade da Manufatura (%)[12]
Tabela 2: Taxa anual  de crescimento da Produtividade da Manufatura (%)[12]

Está aí o MEGA: Make Europe Great Again. 

 

Como a coisa urge, os europeus já estão no ataque. Entraram na corrida da guerra da Ucrânia, anunciaram pesados investimentos na indústria bélica, €800 BI, trocaram legislações, reduziram gastos públicos e foram à luta contra os seus compatriotas.

Assim, puseram em ação uma operação similar à que utilizaram para aprovar os créditos de guerra alemães em 1914, fizeram a sociedade imaginar a guerra, sentir e sonhar com um perigo imaginário a fim de apoiar as mudanças necessárias. O tratoraço da época foi tão grande que somente houve um voto contrário aos créditos de  guerra no parlamento alemão, o do gigante Karl Liebknecht.

Já disse Hegel, a história se repete,  primeiro como tragédia, segundo como farsa. Desde a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, passando por Macron, presidente da França, o primeiro-ministro do Reino Unido, Keir Starmer os governantes europeus repetem o mesmo mantra: todos pelos cortes nos gastos sociais e endividamento dos Estados em prol dos gastos com “defesa”.

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Toda essa demagogia e manipulação pelo não dito, isto é: o investimento na indústria bélica, além de gerar uma fugaz retomada, agita todos os ramos da economia, gera desenvolvimento tecnológico em todos os setores da economia e queima muito, mas muito capital.

Abaixo reproduzimos uma mensagem do governo da França a um cidadão. 

 

“Semana passada recebemos aqui na caixa do correio um tutorial do governo distribuído a todas residências na França de como proceder em caso de guerra ou ameaça química e nuclear”...

 

E para fechar, o amável nigeriano colunista do Financial Times, nos dá a pérola que resume o pensamento do tabloide da burguesia inglesa:

“Os cortes de gastos são mais fáceis de vender em nome da defesa do que em nome de uma noção generalizada de eficiência. Ainda assim, esse não é o propósito da defesa, e os políticos devem insistir neste ponto. O objetivo é a sobrevivência. O chamado “capitalismo liberal” precisa sobreviver e isso significa reduzir os padrões de vida para os mais pobres e gastar dinheiro para ir à guerra. Do estado de bem-estar social ao estado de guerra.”[13]

 

E vão nesta toada, reduzindo gastos sociais, aumentando a capacidade de endividamento e, numa nova rodada, tendem a retomar a retirada de direitos dos trabalhadores. Cenas como o suicídio do aposentado Dimitris Christoulas em Atenas, infelizmente, podem vir a se repetir.  

Esta é a saída da decrépita burguesia europeia.  resta a paz: paz entre nós e guerra aos senhores.

 

"E sempre temos nós, da favela do Moinho[14], Américas, Europa e Ásia:

Vamos, levante e lute, vamos, levante e ajude

Vamos, levante e grite, vamos, levante agora

Que a vida não parou, a vida não para aqui

A luta não acabou e nem acabará

Só quando a liberdade raiar, iê, ah

Só quando a liberdade raiar” ***


Notinha: ao contrário da propaganda, o investimento não aumenta a lucratividade por si só, as inovações tecnológicas aumentam a taxa de lucro quando proporcionam o aumento da exploração de cada trabalhador e da classe, retomando a taxa de lucros perdida no ciclo anterior, ganhando a concorrência ao implementar um novo patamar de exploração do proletariado de cada país e/ou região. 

Notas



[3] Todo nosso esforço em escrever traduzindo o real através da crítica da economia política é inspirado em sua trajetória. Como disse muito bem nosso camarada Aj: “O mundo fica menor sem ele” (https://passapalavra.info/2025/04/156232/). Seguimos.



[5] A quantidade de trabalho morto (matérias primas e máquinas) que cada trabalhador transforma em novas  mercadorias.


[6] A Alemanha é o 3 maior  exportador do mundo. 




[9] O índice base 100, foi a produção observada no ano de 2015 e está sendo utilizada pelo OCDE como base  de comparação para outros anos.  Para nós, além disso, serve de ponto mais alto do ciclo econômico.


[10] O índice de produtividade percentual  por ano e é medido a partir da produtividade de 2015, sendo o valor acrescentado bruto por pessoa empregada.





Notas adicionais



Referências 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 


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